Passa o tempo, o ano, o discurso é sempre o mesmo, a mesma carta

Porto Alegre, 01 de agosto de 2014: depois do João.

Eu estava lá. Lá estava eu.” Na metade do século XX toda reportagem importante dizia assim: “Eu estava lá.” Hoje em dia “Lá estava eu.”

Ali Smith no seu bem humorado livro Suíte em quatro movimentos. Diverte, tanto quanto nos faz pensar.

Cá estou eu de volta. Na alternância de calor e frio. Ao fluxo deste ir e vir que se agita. Inquietude. Intensidade acelerada. Silêncio estridente. Cá estou eu meio ao arrumadinho tão ao gosto da maioria. Revisando prateleiras, dormindo menos, pensando menos. Espreguiço e ventilo o pouco assimilado da revista VEJA: Niall Ferguson levou a nocaute o Nobel da Economia (2008) Krugman que defende e amplia um dogma de John Maynard Keynes segundo o qual os governos podem gastar a vontade. Pelo tempo que quiserem, e produzir déficits abissais em suas contas sem que isso leve os países à bancarrota e o povo à miséria. Ferguson, o “Colosso Escocês, explica: “Eu mostrei que Krugman está quase sempre errado. Mostrei com dados. Ele rebateu com ofensas pessoais.

Quem é quem?  Colocamos as peças no tabuleiro.

Conversar, pipocar ideias, reafirmar: “Eu estava lá”.  Não se trata de estudar, pesquisar, reafirmar com dados matemáticos, estatísticas.  Quando se diz “Eu estava lá.” Tudo se transforma em absoluta verdade. O remetente, o emissor encaminha, descreve, diz, pensa neste espaço compacto de tempo para um alguém, pessoa, ou entidade, amigo, parente, enfim, ao destinatário. Mensagem, carta, texto, o apanhado começa a circular. Autobiografia presencial. “Lá estava eu”. E o fato histórico se retorce nesta ótica. Verossimilhança ocular. O relato tem cor, e nuance do cidadão que sofreu, e praticou determinada ação, em determinado momento. Tudo se transfora em pessoal, no eu. A sua arma principal, mais do que a ideia, será a experiência de estar lá.

Escrever histórias parece libertador. Contar o que viu, presenciou, e sofreu.  Seguir o fluxo. Delicioso! O jornalista se conserva aprisionado, não como autor, contador de histórias, mas como testemunha do fato. Nem sempre, quase nunca objetivo. A foto parece estar preenchida de verdades… Afinal, onde está a verdade? O certo ou errado? O verdadeiro ou o falso? No vazio. Não está. Nem o bem e o mal, o bom e o ruim.  Nada é verdadeiro, sem contudo ser falso. A mensagem, o texto, a carta, a reportagem se completa no A L V O.  O leitor, aquele que coabita meu universo. Está devidamente apto ao entendimento. Como expectador. Receptor, destinatário. A conversa segue.

Esqueci de contar:

“A buganvília continua a crescer. Apareceu no alpendre ao lado da casa, mesmo por baixo do meu quarto e ninguém sabe como.  O António diz que deve ter sido cortado antes do pai comprar a quinta e ter ficado alguma raiz. Eu vi o primeiro ramito aparecer. Era tenrinho, de um verde-tenrinho. Mais tarde cobriu-se de espinhos. Outro raminho surgiu e depois mais outro.”

Pepetela, O Cão e os Calús, Editora União dos Escritores Angolanos Contemporâneos.

A conversa segue seguindo seu próprio ritmo. E Porto Alegre me encanta, por um momento. Estou em casa, de volta. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2016 Torres

a-casa-de-papel

 

Contar estrelas

As pessoas envelhecem diminuindo ou aumentando. Magrinhas, ou enormes. Não há medida certa, suponho… Mas esta desproporção, visualmente, impressiona. Ou é desleixo, ou cuidado excessivo. Nunca é só viver. Com o passar do tempo deveríamos ler menos e fazer mais. Se possível fosse ter jardim, quintal para se ocupar o dia inteiro com estas coisas de estar vivo, não só sobreviver. Contemplação, sono, descanso é para quando se tem juventude, e toda a energia do mundo. Depois precisamos é contar as horas pelas tarefas necessárias como saber o número de estrelas no céu, comer três vezes ao dia, beber água. Tomar banho, e levar o cão a passear.

Se fazer entender

Escrever é um jeito de conversar consigo mesmo. Conversar pode ser mais amargo do que estar completamente sozinho a escrever. Temos um prazer esquisito de juntar as letras, uma costura intima definitiva… O corpo vai se deteriorando num egoísmo cansado, e tudo parece meio vazio, sem sentido. A química deixa de funcionar. E o sentido também. Conversar, ou se fazer entender pesa difícil… Como se carregássemos um saco de pedras que não está nas nossas forças. Se fazer entender fica pesado. Esta coisa da relação tem um amargo estranho quando não temos afinidade, certezas, ou amorosidade. Já é tão tarde, mas fico a pensar que começo a entender o desejo da comunhão.  O conforto da igreja, da reza. Porque a natureza já nos tomaram… Cada vez mais devastada a terra. Este já nos tomou soa falso, irresponsável. E é mesmo um grito sem som, vazio. Desistimos. Desânimo. Neste momento difícil de fazer entender, dar sentido. Jogamos cartas, paciência, canastra, dominó. É um jeito de estar em lugar nenhum. Fico a pensar que o desejo de voltar pra casa é permanente, único. Não existe a solidão explícita quando somos crianças. Temos sonhos. Desejamos encontrar alguém. Ter isso ou aquilo. E a caminhada faz a diferença. O sentido. E adolescemos cheios de esperança. Envelhecemos desanimados. A retrospectiva. Um enorme cansaço de repetir, recomeçar, acreditar. Não faz sentido esperar. Esperar o que não chega. Nem o sorriso, nem a palavra, nenhuma vontade.