No fundo dos olhos azuis houve um lampejo de intensa tristeza. E raiva. Que cena tão simples havia sido lembrada? Tão dilacerante! O dia que tudo terminou. A certeza de que não há nada para ser dito. Altera a voz, e o olhar… Seguimos caminhando pela rua Redentor. O sonho, não é mais o seu sonho, nem sua escolha, ou decisão. A vida rasga o tempo, e separa o amado do amor. E já houve confidência, deslumbramento. Correr para o nada, entender o medo, saber o segredo daquela mala vazia. Ouvir, mas principalmente falar, e contar histórias enfiadas umas nas outras. Entrar naquela vida como se fosse possível desaparecer nos olhos azuis… E reaparecer dentro dos segredos secretos. Como se o outro fosse eu, e eu o outro. Estar enfiada naquele abraço. No para sempre… Ideia velha do para sempre será. Em contos de fada existe a obscura e misteriosa intenção de não terminar… E viver felizes para sempre (engraçado eterno inconsciente) que permanece para sempre. E nada é para sempre. Nem a terra, o mar, nem o sorriso, nem a pedra, nem a história, o exílio, e menos ainda a presença, o amor, ou a amizade. Tudo tem tempo, validade. Não há tempo neste tempo delimitado. Olho para suas mãos presas nas minhas mãos. E já nos contamos o incontável. A distância reside neste inexplicável. A esta entrega já chamamos de amor… Como você escreveu em telegrama demorado.
De perto é fácil amar e de escasso mérito quando objeto amado, cheio de doce ternura na voz, no jeito, nos lábios merece algo transcendente insubstituível abarcando não mundo, mas também vida e morte. Talvez assim Gaal entenda que estando ausente se ama ainda mais. Cartas não chegaram. Mantenho data viagem para o dia nove. Avisa hora oculista não tocar na marca que marca o pescoço, nem pintar parte superior da cabeça, pois nada mais elegante que cabelos brancos quando o interior é jovem. Arroz integral bom companheiro de dias noites de solidão junto ao mar. Beijos. Abraços.
Perdoa se eu o feri ao abandoná-lo, também não deixei de me ferir. Descobrir o vazio, e este enorme nada também doeu. Temi você pensar que eu me reservava a parte mais agradável sem me preocupar em deixar-lhe o lado desagradável. Não é verdade. Eu me senti infeliz por fracassar. Você me fez falta de todas as maneiras, em todos os instantes, e a ideia do erro, por mais de uma vez me fez absolutamente infeliz. Assim eu procuro reestabelecer a mesma convicção, vozes, odores, toques, rosas, petúnias, hortênsias. Cravos, laranjas, pêssegos e morangos. Sem esquecer das amoras azuis, e das lágrimas que me sufocam neste momento de adeus. Aperto sua mão, agarro sua tristeza…
“Agora, quando roço a tua pele e no silêncio te sinto estremecer, me pergunto para que evocar o exílio, aqueles longos dez anos [… ] Eu me lembro tanto de tanto ou de tudo que, talvez por isso, tentei esquecer. Quando te amo, este amor enfurecido de beijos e abraços ocupa todo o espaço da memória, e só então, vivo tranquilo e em paz. […] Esquecer? Impossível, pois o que eu vivi caiu também sobre mim, e o corpo ou a alma sofridos não podem evitar que a mente esqueça ou que a mente lembre. […] E por não esquecer te conto, minha amada. Como um grito te conto. Ouve e lê.”(12-13) Flávio Tavares – Memórias do esquecimento
Penso que as idades passam, os interesses, os amores, os amados e fica apenas o vácuo. É o novo se acomodando dentro de mim. Ou é apenas um novo que sempre foi, e vai voltar e vai desaparecer… A tal nostalgia. Afinal o que dizemos se revela no que não falamos. E está dito nas entrelinhas. A sutileza do contexto que não se explicita.