Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade
Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida
O demagoggo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe
A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta girar o povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez elementar
Como quem parte do sol do mar do ar
Para construir o canto terrestre
—Sob o ausente olhar saliente de atenção—
Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste
20 de maio de 1974
(p. 270-271) Sophia de Mello Breyner Andresen [ coral e outros poemas] Companhia das Letras – Primeira Edição – São Paulo – 2018


Não é “girar povo”, e sim “gritar povo”.
sugestão / muda tudo, não muda?