redemoinho

Subi com cuidado, talvez descer seguisse sendo o mais difícil. Conversa demoradas. Ritmo ou descompasso: amor.

Ao telefone, tua voz é de menina. Tão doce que (para quem te conheceu adulta e meio grandota, como eu) pode soar até como coisa preparada, açúcar fazendo as vezes de mel. Mas a verdade é que é mel mesmo. Mel, não Fel. A rima é importante na vida. Nada melhor do que os sons casando-se entre si, aquelas terminações iguais ou similares que dão música às palavras. É preciso, porém, ter cuidado com a tentação das rimas: fel não é mel, anão não é pavão, ainda que o amor seja dor, quase sempre dor. Por digo (ou escrevo) tudo isto, quase sem pé nem cabeça? Porque desde que escrevi mel, pensei em fel. Quis dizer o oposto: quis dizer exatamente que neste momento recordo tua voz mel de guriazinha ao telefone. Displicente voz de adolescente, talvez tua forma de ser a Beth de 1962 que eu esperei (em vão) à porta do Cine Ritz, após outra longa espera na esquina Protásio e Víctor Hugo.

Hoje a Luiza atendeu o telefone. Não estavas. Percebi que era voz de menina, mas fiquei em dúvida sobre se não poderias ser tu, apenas em um tom mais baixo, com voz mais comedida, sem a habitual extroversão que dá à tua doçura um tonitroar suave. Tua voz é doce mas forte ao mesmo tempo. Nesse amor telefônico a que, aparentemente, estaremos condenados (ou condicionados), tua voz é tão ou mais importante do que tu, porque é tu mesma. Tua voz é que me diz da tua tristeza, ou alegria, ou penúria, lamúria ou riso. Preparo-me para catalogar tua voz como luminosa ou em trevas, radiosa ou sombria. Tudo pelo ouvido, sem interferência do olhar, como se a luz ou a sombra – sol ou trevas – fossem sons ou ruídos. Meus novos olhos são agora o telefone junto ao mar, que só me permiti ver o mar, sem te ver. Sinto-te pela voz. Por esta suave voz de guria, desleixada ou doce. E amada. Tenho saudades de ti. De te olhar, te tocar, sentir, enrolar-me em ti. Juntar-me a ti nas conversas e, depois, prolongá-las nos corpos juntos, colados, integrados, o magro encaixando-se à gorda. Tenho saudades de te amar.

Como nos encontramos? Onde?

Nós nos encontramos no tempo de amar o amar, naquela alegria… Sem pensar em fel ou mel, nem pavão, nem ser e estar, apenas fomos

Esperas na porta do cinema, pipocas e prolongados silêncios naquelas sessões de domingo. As esquinas permitidas. As conversas apressadas. E nós estávamos lá. Eu distraída, tu apressado, ao mesmo tempo intrigado. Olhar importava mais do que escutar. E tocar? Pura e completa magia. Nós nos encontramos no sol, aquecidos pelas tardes de domingo porque se eu flanava, tu trabalhavas de segunda adomingo, sem mencionar plantões… O que importa / importava era o prazer com palavras, com escrever e leitura, com cochichos no meio da gritaria. Eu guria, tu

Tu te dizias adulto. Eu me demorava no azul, e tu vias as tranças de menina, e a doçura tumultuada. Depois verões, sempre estão lá, os verões, o perfume da casa e das frutas… Eu te chamei com os olhos e confirmei a dor, “ainda que o amor seja dor, quase sempre seja dor” é amor. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2023 – Torres “só nos permitimos ver o mar,” e, voltamos aos braços um do outro.

Deixe um comentário