desencanto do cotidiano

FRANCESCO ALBERONI

“A vida cotidiana se caracteriza pelo desencanto. Temos sempre tantas coisas a fazer… Algumas de que gostamos; mas a maioria é exigida de nós. O que nos pedem é sempre prioritário, urgente, merece sempre o primeiro lugar, e se não o fazemos logo nos criticam, ficam aborrecidos, castigam-nos. A ordem das coisas não nos tem como centro, não faz de nós seu princípio inspirador. Ela é o resultado de pressões exercidas sobre nós. O que verdadeiramente desejamos não realizamos nunca e, a certa altura, acabamos sem saber se gostaríamos de fazê-lo. Na vida cotidiana nosso desejo nos chega sob a forma de fantasia, “que bom seria se…” Mas acontece sempre alguma coisa que nos impede de exercer nossa vontade. Nosso companheiro ou companheira tem sempre que fazer outra coisa, ou não sente vontade, ou não a tem quando nós temos, ou vice-versa. Se respondemos que não, que tenha paciência, ele se ofende. E a nossa vontade se vai, assim como vai a dele. Tudo isso é o desencanto, a impressão de que existe alguma coisa que desejamos, mas que sempre nos escapa porque constantemente temos que fazer outra coisa. Na vida cotidiana acabamos absorvidos por esse incessante fazer outra coisa para outra pessoa; nossa vida se resume a isso. Nunca nos sentimos totalmente compreendidos, nunca temos uma satisfação profunda, nunca nossos desejos e os dos outros se combinam perfeitamente. É um estado que nos parece sempre passageiro, que julgamos impossível continuar assim, estúpido, rancoroso. Entretanto continua durante anos e anos afora. São anos tristes em que ficamos à espera não sabemos bem do quê. São anos de desencanto permanente; anos em que “vamos vivendo.”(p.41-42) Francesco Alberoni Enamoramento e Amor

Francesco Alberoni foi um jornalista, escritor e professor de sociologia italiano.

Nascimento: 31 de dezembro de 1929, Borgonovo Val Tidone, Itália

Falecimento: 14 de agosto de 2023, Milão, Itália

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