TEMPOS MODERNOS

A travessia foi longa. Ninguém indaga de onde veio. Mal sabe os nomes do pai e da mãe. A história individual é uma mancha inexpressiva na paisagem do cotidiano. Somos todos narcisos. Vestidos de jeans, de camisetas que trazem inscrições estrangeiras. Cada qual um deus banal com andrajos, a pregar beleza e exigir aplausos. O mundo é o nosso espelho d’água. Refletidos na poça de lama, excedemo-nos na avaliação dos nossos méritos e perguntamos:

– Afinal, espelho meu, quem é mais belo do que eu?

A cada dia há que dar provas de engenho. Ao amanhecer livramo-nos dos farrapos, a que a vida nos condena, sem esmorecer. Ando pelas ruas com o coração em sobressaltos. Em busca daqueles arranjos humanos que denunciam o esforço feito e vencido. Para isso dispenso a tirania da estética, da absorção de modelos oriundos de uma visão fetichista dos objetos. Entrego-me modestamente ao difícil paraíso da emoção. [p.106] Nélida Piñon o pão de cada dia fragmentos

coisas ditas e pensadas / reconhecimento, encontro. paz de certeza

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