1.
Acordei às sete horas: corpo amolecido. Faz dois dias que não durmo. Comi feijão com arroz, uma colher de doce de abóbora. A casa em desordem; tudo por fazer. A tarde caminha. Saio para comprar uma camisete, uma camisola curta, mas compro livros, muitos. Não consigo concentrar-me em nada. Estou pendurada na sacada olhando pro mar. Acho que vou ao correio buscar as cartas.
Eu me olho no espelho: feia, desfeita, triste. Quero reagir. Não consigo; sinto peso dentro de mim: dor, desânimo. Não quero atender ao telefone; não quero falar contigo. Não tenho nada para dizer. Ontem, três, duas vezes o telefone tocou: no fim do dia, no meio e no fim da noite. quando atendi, eras tu. Eu te amo por teres me chamado; mas não tenho voz para atender.
No dia seguinte o silêncio da casa. Estou sozinha. Tudo por fazer e uma vontade sem sono de dormir. Olho para a pilha de livros novos. Por quê? Tenho tantos em casa que não li. Esqueço a camisola, as roupas de verão e as lojas. Tu não verás Torres fervilhando. Escuto vozes na calçada. Agitam-se as pessoas. Os carros buzinam; os ônibus estacionam ao longo da rua e despejam turistas para o hotel ao lado, castelhanos, todos falam muito alto. Abro as janelas porque estou só. Fecho de novo: olho para meu corpo. Não vejo beleza; nem tem alegria. Fico tão velha no verão! Tão murcha! Tenho nos meus braços as marcas da tua boca; dos teus cabelos. Sinto saudades.
A casa, logo estará cheia. Farei almoço e jantar. Comerei menos; sentirei menos, dormirei menos. Sinto que preciso acalmar a tua presença nesta ausência. Sinto sono; quando estamos juntos, não dormimos. Exausta agora: o corpo dói. Também, agora, não durmo…
2.
Olha bem para mim: estou mesmo um trapo; não sei mais o que fazer. Voltei assustada da lembrança doente que agora me engole. O que aconteceu naquela noite de acordar, e acordar? O telefone tocou uma vez e outra e mais outra. Madrugada. Os olhos parados, esbugalhados. O que fizemos? Eu te consolo; embalo o teu susto e teu espanto. Mostro nela as outras todas mulheres, iguais. Defendo tua causa na esperança que defendas a minha e a nossa causa. E que me defendas. Devolvo teus braços aos braços dela.
Arrumar o que chegou, por telefone, altruísmo. Enquanto eu me desenho romântico pensas no amor com lógica. Ali riscamos as nossas diferenças. Amor que despenca em conclusão, a certeza consciente de sermos não mais tu e eu, mas nós, os três.
Ela que amas; ela não sou eu. Porque as verdades se provam pelo princípio de que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. e tu repetirás: Sempre soubeste. E eu te responderei: Palavras; não fatos. Palavras. Uma verdade cabe em duas versões. É verdade? Ou é apenas, liberdade de estar aqui, ali, logo adiante na conversa passageira do ir e vir, levar e trazer.
Das palavras…ao ato; teu amor por ela. Palavras que reafirmando reafirmam tua vida com a vida dela; (para mim) a outra. Mas teus beijos, teu toque? Enlouqueço?
Talvez. Tudo isso é o inferno. O próprio diabo engolindo-me, inferno. Despreparada para castigos terrenos, despreparada para castigos divinos. Tudo desmancha-se lá dentro, um vírus… Meio ao tormento, tu, o amado. Penso na tua boca; teus olhos cravados no prazer, na loucura: nós dois. Tanto eu preciso libertar-te e libertar-me, para, enfim, viver mansamente, outra realidade; o possível. Ou num inferno, ao menos, menor. O amor desmancha pessoas, modifica tudo. O que fazer desta plasmada e incômoda angústia de querer? Elizabeth M. B. Mattos – Torres
Tão forte e potente!
tua presença! boa! fiz um final, mas estou com uma sequência / velhos textos. obrigada