pressa em contar/dizer o fim

7 de abril de 2025 – segunda-feira chuvosa / vento, e finalmente, o frio do outono se aproxima, cinzento o dia. Escuto a chuva batendo nas calçadas e os carros levantam a água nas ruas. A limpeza do ar, e, se renova a Lagoa do Violão: jardins se alimentem…  As macarronadas voltam a fazer sentido. Suculentas e quentes. Deixei de escrever. Os dias puxam um fio distraindo de horas vazias, sem nenhum entusiasmo. A cadeira aceita estar ocupada o dia inteiro, quieta.

9 de abril de 2025 – quarta-feira

Caminhada necessária! Jesus meu Deus! O exercício se arrasta dentro da preguiça. Bom que as ideias se amontoam interessadas… É preciso escrever, claro! Bocejar não. Aquele sono bom e prolongado terminou. Eu me pergunto: em que momento foi que eu dormia amontoada na cadeira, não me assustava com os ruídos, nem reclamava dos excessos nem da escassez. Era tudo bom e na medida. Não tenho priorizado a palavra, o exercício de quatro frases por dia, sete se possível. Começou uma bateção no apartamento de cima. Obra, obra / ou consertos? Primorosa reconstrução. Alugam: depois gastam o dinheiro refazendo o que os inquilinos destruíram. Eu fico neurastênica. Depois aceito. Gritos ou música, risadas ou conversa sussurrada que eu escuto. Ah! Estas paredes de papelão!

10 de abril de 2025 – quinta-feira – Torres com chuva. Forte. Incoerente. Depois da pancada que encheu a calçada fez da rua um lago, uma luz seca com jeito de dia bonito. Penso: vou caminhar, não. Saio do banho, outra pancada, outra ventania. Inquietude não definida. Recorro a memória saudade da Albertina de um tempo de amor, desconfiança, cartas e cartas, telefonemas e temporada de beijos. Tenho agora tanto tempo sobrando, inútil e rastejante! A saudade miúda volta, aquela do amor fervente, desgovernada alegria que me fez andar nas pontas dos pés e dançar.

Sempre recomeçar. Volto ao tempo de fazer televisão, trabalhar, escrever para a Revista Globo. Acreditar que podia, afinal, escrever. Não é fácil. Medrosa, escafedida com o estudo do inglês -, preguiçosa, – fiz tudo do meu jeito. Investi no francês (risos) o que não resultou em grande coisa. Não finalizei. Este ponto de vencer e encerrar e depois investir na etapa seguinte não é para todos, para poucos. Saber de que barro fomos feitos. Quem eu sou? Importa? Para mim mesma deve importar, com os outros a gente divide, parte, pedaços. E o bolo fica recheado. O bolo. Vou engolindo depressa. Cansando da pressa interrompo tudo. Sento quieta na cadeira. Quando será que vou conseguir fazer o sonho verdade, não ter as costas doendo, nem a vontade esgaçada. Fala tão atropelada?! A pensar. Observo. Sei. Sinto. Na verdade, não me atrevo a dizer. Nem educar, nem contornar. Abstenho-me da verdade. A tal coragem de matar o leão, a formiga. Espicaçar a esperança. Reler. Não mais atravessar as estantes a catar autores. Parece tão mastigado. Reeditado. Desenhar, pintar, colorir, usar os lápis, fotografar, ouvir música. Cozinhar. Cozinhar exige alquimia, inteligência, disposição e tempo. Algumas pessoas não desenvolvem o tempo para administrar panelas. Eu compreendo. Exige um prazer primitivo soterrado, esquecido. E tempo. Tempo. Tempo. Estamos todos na corrida de ‘ganhar tempo’ e ganhar dinheiro, ganhar espaço, ganhar beijos e sorrisos, ganhar. Na cozinha a gente perde tempo. Odores, cheiros e movimento desencadeiam um prazer a ser compartilhado… A invenção dos assados, e do tal churrasco com a conversa em volta do braseiro. TEMPO. Estamos reduzidos a comer nos restaurantes espalhados pela cidade. Os aglomerados e apressados restaurantes do quilo / servir-se pesar e comer com os olhos no relógio / liberando a mesa. Alguns sofisticados demoram mais, e não é hora nem para vinho, nem para bebericar, mas comer e voltar… E não gastar muito. Ah! Como eu me canso sem correr, canso de comparar. E aquele prazer de remexer as panelas desapareceu. Agora são chefs / não existem mais as cozinheiras, nem o tempo / a hora de sentar, aguardar, esperar, rir e comer devagar. Este tempo desapareceu. O domingo talvez possa reunir, o sábado, quem sabe. Mas vamos no estranhamento de ter pressa -, pressa pra sestear, pra dormir de tarde. Para inventar o feriado. Desenhar pula esta memória aborrecida. O desenho e as cores saltam mais festivas. A ideia sai andando faceira empurrando os pincéis e não se explica. A gente faz. Escrever tem aquela repetição, a releitura que desfaz, a preguiça do correto, o bom, da leitura. Do reescrever. Saudade tenho de procurar, desejar ainda, percorrer escadas às pressas, caminhar para chegar lá, e olhar. O mar… Este mar a ir e vir, tão natural! Despeja águas na areia. E eu tão urbana, quero olhar vitrines, esbarrar nas pessoas, voltar ao teatro, ao concerto. Vestir o esvoaçado da vida em movimento. As cidades se movimentam em baixo do azul e da chuva e da noite e do amanhecer. A cidade. Gosto da cidade. Do ônibus, do bonde (que já andei tantas vezes, trilhos certos), dos carros no engarfado trânsito. No sem pressa, agitado tempo de coisas obvias. Sem concorrer, mas ser no sonho sonhado. Crescer devagar. Fazer sem certeza.

Diletante. Distraída eu estou. Queria voltar a ladainha de casar, de ter noivo. Por que eu me casei tão rápido. Os noivados devem ser demorados. Os casamentos, o suficiente, sem bengalas. Mas é tão bom ser dois! Então vamos. Às vezes ficamos / somos logo, três ou quatro. Ou disputamos a sala, a conversa, os amores amados. Nem sempre estamos nos trilhos. Esta coisa de conviver. Viver com tem magias e feitiços. Comunidades. Tendas, acampamentos, aventura. A vida é uma conversa com tempestade: sol chuva ventania, desanimo e festa. Tudo junto.

A pensar meus casamentos. Os dois. Sou do tempo do divórcio. Da separação. De estar junto sem lágrima. Ou de ser independente sem ser. Enrascada pressa. Véu e grinalda. Missa, sonhos rezados. Apressada juventude: decidir. Por quê? Como? Foi assim? Hoje é tão diferente! Tudo espaçado. Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025 – Torres

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