“Eu me lembro tanto de tanto ou de tudo que, talvez por isso, tentei esquecer. Quando te amo, este amor enfurecido de beijos e abraços ocupa todo o espaço da memória e, só então, vivo tranquilo e em paz. Sim, minha amada, o que os olhos viram, às vezes, tenho vontade de cegar.
Esquecer? Impossível, pois o que eu vi caiu também sobre mim, e o corpo ou a alma sofridos não podem evitar que a mente esqueça ou que a mente lembre. Sou um demente escravo da mente.
Rima? Rima, sim, e até pode ser uma rima, mas não é uma solução. A única solução é não esquecer.
E por não esquecer te conto, minha amada. Como um grito te conto. Ouve e lê.” (p.13) Flávio Tavares Memórias do Esquecimento Editora Globo 1999 / Porto Alegre

“- Da outra vez, você se salvou, mas agora não vai ter defesa!
Meu medo desapareceu. Senti, apenas, aquela profunda tristeza das despedidas. Pensei nos meus filhos e rezei pensando neles. Ou morri pensando neles, enquanto tudo se repetia igualmente à vez anterior: eu caminhei eles dispararam, senti as balas e a morte. Agora, porém, para terminar com a farsa, em vez de discutirem, eles gargalhavam. Em algumas horas, eu fora submetido a dois fuzilamentos simulados.
Simulados? Agora, mais de 20 anos depois, sei que tudo foi uma simulação porque estou vivo, mas, naquela madrugada de 15 de julho de 1977, eu fui executado em terra alheia e morri.” (p.254)





