DOIS MUNDO

…a palavra é aparência[1]  Traçamos meta, escolhemos o caminho, mas somos atropelados por acidentes, o limite. Ao acaso. Independe da vontade. Equívocos traçam o caminho. Perdas, encontros, carências afetivas, falta de oportunidade, desencontro. O mundo se apresenta cinza, embora seja azul.

Livre, selvagem. Depois, a educação formal, a escola. Na igreja o cheiro de incenso, o canto gregoriano, o latim.  A confissão e a culpa. O  imediato.  E nos pensamos no melhor dos mundos possíveis, o nosso. Mas não é exatamente isso. O olhar do outro é o espelho: aprovação, reprovação, porta aberta, ou fechada. Respondemos as necessidades do outro, e redefinimos as nossas próprias necessidades, outra vez, e mais outra vez. E tudo tão misturado…

A palavra descreve o momento, mas a explicação já não é mais precisa, não é o momento, mas representação. A resposta vem resvalando, flutuando. E já mudamos a direção. Somos a interlocução. O resultado tem eco. Ou ladainha.  Escutamo-nos, e não somos nós…  Vozes, o isolamento.  Não conseguimos dizer, explicar, sentir a palavra.  Precisamos do outro para entender o real… Paradoxal. E o mundo se escreve com tentativas, descaminhos para novos caminhos, atalhos.

Segundo as Palavras de Mench-Hsi[2]:   Quando alguém chegou à velhice e cumpriu sua missão, tem o direito de enfrentar tranquilamente a ideia da morte. Não necessita dos homens. Já os conhece e sabe perfeitamente como são. O que necessita é de paz. Não convém visitar este homem, falar-lhe, fazê-lo sofrer com banalidades. Convém, antes, passar ao largo diante da porta de sua casa, como se ninguém vivesse nela.

E eu não compreendo. Ou não envelheço. Não cumpri a missão. Necessito dos homens. As banalidades me enojam, mas não choro, vou ao encontro delas. E para me entender preciso do teu olhar.

[1] As palavras são uma máscara que raramente expressam de maneira correta o que está por trás; antes encobrem. A inteligência não é o que importa, mas sim a imaginação. P.37 in O círculo Hermético de Miguel Serrano.

[2]  P.22 in O círculo hermético: Herman Hesse a C G Jung de Miguel Serrano.Ed Brasiliense.1970.

2 comentários sobre “DOIS MUNDO

  1. “A vida nós a traçamos, o destino está nos equívocos.” Será? Penso que acreditar que nós, exclusivamente nós, traçamos nossas vidas é descartar a circunstância (ver Ortega y Gasset). O ‘destino’ (ou a circunstância, ou qualquer nome que se queira dar) não é o que deu errado, mas aquilo que nos escapa ao controle…

    • Exatamente! Como desconhecemos o processo todo, e deixamos de ter o controle, os equívocos, de todas as ordens: da palavra, do gesto, do momento errado, ou do certo, mas desatento, escreve a nossa vida, desenha, pinta a rota, conta a evidência da história, mas não era bem como havíamos sonhado, planejado…adversidades mudam tudo, às vezes o vento sopra com muita força resistindo a nosso empenho… Será?

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