Lia Luft no seu livro Tigre na Sombra lança dados biográficos mal definidos, iluminados por lanternas… Refletem a autora, a sua vida, a minha… Queria retalhar, recortar de tal forma que o texto anterior, o seguinte, e o do meio fossem escritos por você…
“A vida que imaginamos é uma casa transparente sem janelas nem saídas. A gente a constrói com palavras e silêncios, abraços e afastamentos, uma vida paralela a isso parece o concreto cotidiano. Ali o amado não entra, a amada fica de fora, sombras e luzes como espectros dançam e acenam.
Fora dessa casa de vidro existe outra vida, que chamamos real. Com pão e manteiga, aroma de café, lençóis úmidos de sexo, filhos correndo, pais envelhecendo, contas a pagar, cargos a ocupar, nomes e marcas e tráfego e sonhos de consumo, e sonhos de consumo. E dor.” (p.36)
“Dias de recolher os personagens do passado, alguns mais duradouros, outros breves lampejos na memória, que afundam de novo, e vão e vêm. Onde estão, por onde se espalham, alguns deles que nunca mais vi nem sei onde andam, outros morreram – mas a memória não deixa que nada de verdade morra. “(p.53)
“Pouco a pouco outro alguém voltou a soprar-lhe vida, e acordou. E isso ela teve e perdeu e teve e perdeu de novo, até começar a entender que só ela podia dizer para si mesma:
– Isso aí, essa aí é o que eu sou.
Ninguém mais saberia lhe dar o seu nome nem o seu destino. E o que ela era nunca era o mesmo, mas união e ruptura e encontro e isolamento.
E o que alguém é, ninguém jamais sabe. Nem pais, nem filhos nem amantes, ninguém. Pois não conhecemos uns aos outros, sombras que se cruzam num corredor mal iluminado. “(p.62)
Tigre na Sombra, Lya Luft. Record