Danúbio Gonçalves conta Siron Franco…

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 Porto Alegre: 28 de maio de 1999.

Beth:

(…) É o acampamento nesse oásis que me alivia o sufoco afetivo. A terapia ocupacional tem sido o mosaico. Semana passada fui ao vernissage da importante exposição SIRON FRANCO no MARGS. Obras de pinturas pertencentes aos seus colecionadores. O bom artista é muito simpático e amigo. Pretende retornar a Porto Alegre em junho e visitará o atelier. Ao ver a sua exposição fiquei com vontade de voltar a pintar. Talvez venha fazer algo contundente e não vendável. Afinal os meus balões, decorativos, coloridos não superaram a crise do mercado de arte. Penso pintar na fase seguinte algo que transpire ironia, amargura e crítica, mas com linguagem menos explícita. Afinal vivemos num país terrivelmente massacrado por notícias de violência e da corrupção dos governantes sem punição. As investigações oficiais são farsantes. Mesmo com provas evidentes os culpados são esquecidos. Desaparecem no noticiário sensacionalista…Bem, falei demasiado de minha “situação”. Imagino como andas parceladamente encolhida. A sobrevivência continua. Lamento não estar te escrevendo com mais otimismo. O consolo é sabermos que a situação do Brazilzão está muito melhor do que os massacres na Iugoslávia. Terrível carnificina. Lamento, pois, não ter força no momento para te animar ou opinar sobre o impasse emocional que continuas a padecer. Um dia quem sabe?, possa acontecer o milagre de me procurares em Porto Alegre. Nem sei se vale a pena para ti bater no meu portal. Muitas saúde, os abraços do

Danúbio

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Se és meu, se sou tua

Esgrimamos. Súbito as diferenças aumentam. A conversa pesa. Pequenos cuidados a mesa, na maneira de sentar, o tom da voz, o recolhimento se faz necessário… A surpresa de estarmos juntos, outra vez. Formalidade na intimidade. Acredito que a educação se debruça nesta questão: atenção! O outro não sou eu. Parece evidente, mas não é. Amizade exige lapidação. As queixas. O estranhamento. Já estamos plantados no mundo das aparências! Importa o sentido, a continuação… Chegar perto do porquê… Se és meu, e se sou tua, tenho que ser eu… Então a pele, o cheiro, os cuidados, o modo de ser se ampara na equivalência. É preciso domar diferenças. Convergir. Este é o trabalho do amor! Humildade e generosidade. Conviver é uma arte difícil.

Esquecidas cartas: 2001

Torres 16 de abril de 2001.

Paulo, meu amigo: Faz tanto tempo que não escrevo! Não escrevo cartas, não escrevo raiva, não escrevo amor, nem mar, nem sal nem nada.

Li o jornal inteiro, tão logo chegou e  comento agora:

Boa a lembrança de entrevistar Paulo Hecker Filho, uma senhora leitura! E, o eixo (Rio- São Paulo- Minas) reconhece, é claro: afinal, ler é bom.

Não escrevi pro Jorge Jaime, sempre presente, sempre escrevendo. Gastei papel com Juremir, o narciso. Walmor Santos, indicação pro Prêmio Jabuti? – perderam o rumo, certamente. Escuro agora: dizem que FTavares também levou indicação no gênero reportagem? E menosprezas os contos do Iberê! Tudo acontece. Logo viro escritora: vais ver. Algum critério é confiável? Entrevistar Charles Kiefer? Por quê? Para o que mesmo? Pelo visto ele já disse, declarou tudo que julga importante. Quando? Na Zero Hora, ora! Quem não leu, perdeu. Como é econômico! Será assim para pensar, certamente.  Reler a entrevista com Luiz Fernando Veríssimo. S. O. S.

Há que haver arena e gladiadores. Vamos voltar no tempo. Poucos sobrevivem, poucos os confiáveis disse Marco Aurélio (ou não foi este o imperador?). Ainda Laury Maciel, e quem mais? Quem mais? Não há leitura. Que coisa!  Gostei d’ O dia da Caça de Gilberto Wallace. Ainda bem que concordo com a idéia da idéia do J.C. Pozenato. O caso do e–mail? Não posso nem pensar em e-mail. Bem, não é culpa dele, o pobre. Mas tem o cinema, tem O quatrilho, não tem? O livro. Não vi o filme. Não sirvo pra muita coisa, estás a ver…Mas pra ler e reler lá vai no jornal outro texto do Hecker. Abre uma folha e mais outra e vamos ler juntos o livro recomendado, Dr. Stummer. Uma trilha de sugestões, leituras de gente grande que normalmente estão amarelas nas estantes, pelo menos nas minhas. Quem está com Kierkegaard ou com Heidegger em dia? Encontra Sartre e fica sabendo de Camus, o dissidente. Tropeça na Lispector ou desvenda Cortázar. Então se pode ler e se quiser reler pra fazer trilhas novas de leitura vai em frente: há o que pensar.

Puxa! Mas ter que abrir Encontre a saída?! Que livrinho! Ficou encalhado na minha estante do Bazar.

Como?! Então citaram meu Mário de Sá Carneiro?! Eu te contei que consegui comprar o livro Obras Completas?Ainda bem que se lembraram de lembrar o poema AMAR! Tão lindo?! Aliás, todos. Ou aqueles dois. Não sei. Ou o meu jeito de ler Hecker, pode ser. Também pode ser. Gilberto Wallece deu força in Ao Leitor. Como é mesmo fazer um jornal? Sai caro, é duro. Sai vazio, é difícil. Recorto o Hecker… Volto páginas – como ler o último número do VOX: valeu Veríssimo. Tu estás lá salvando. Como reler um número anterior de Folhas de Letras (aliás, o nome é lindo!) e encontrar outra vez o Hecker. O resto ainda tem que acontecer.

Estou de mal com o mundo ou comigo mesma. Fica o beijo.

Superávit de Vida

P. Alegre, 24 de setembro de 1997.

Elizabeth: Leio-te e já estou mandando o meu palpite. Tens ímpeto articulado, a confirmar o papo telefônico. Aprecio mais a carta para mim, pelo pé no chão de um relacionamento. As outras várias páginas, no conjunto, circulam em torno de um tema, a satisfação e insatisfação erótica. Claro que isso conta, mas fica geral demais no tom de desabafo empregado, não chegando a ser crônica, que pedem mais objetividade, experiências vividas. Mas na cálida e pronta verbalização, mostras ter atingido um patamar que já é uma conquista. Devolvo os originais para o caso de precisares deles e te abraça o

Paulo Hecker Filho

P. Alegre, 02 de outubro de 1997.

Elizabeth: Dizes para “o filho escrever quando aflito”, falas em terapia e cura pela escrita. No entanto escrever mesmo é antes um superávit de vida que um déficit e se pode definir o talento como ter o que dizer. Quem sabe sob essas duas colocações, descobres novos caminhos, já que escrever por escrever, publicar para publicar, meio mundo faz e só se engana.

Cordialmente,   Paulo Hecker Filho”

CARMÉLIO CRUZ

São Paulo, 17 de dezembro de 1964.

Beth querida.

“Ela! Veio de leve, natural.

“Ela” veio de um mundo encantado, de um sonho

“Ela” não quer ser formidável

“Ela” não quer encantar

“Ela” É carinho, amor, luz, vida.

Vida vindo de leve. Rosa em botão.

Estou dentro da noite

Mil quilômetros nos separa

Procuro retê-la na memória.

Tenho medo de perder os detalhes.

A voz sim. Tão meiga.

Certa vez, uma senhora indaga sobre detalhes do seu esposo do qual desejava ardentemente um retrato: percebeu de repente, que o amara por muitos e muitos anos, no entanto os detalhes haviam desaparecido de sua memória

Não tenho pintado

Não tenho vontade

Tenho vontade

Muita vontade de sair por aí.

Ir. Ir de vez.

Chove muito aqui. A Rua Augusta é um rio. Eu sou uma ilha. Escreva. Escreva para a ilha. A Rua Augusta 609 é uma ilha. Estou sempre pensando em voltar para ou a Porto Alegre. Tudo depende do Scarinci. Ele quer que eu fique aí, como professor, no Museu de Arte. Que tal? Estaríamos todos juntos. Até quando? Depois, partiríamos juntos para (vermos) a vida.

Um grande abraço a Anita, Dr. Roberto e Suzana ( a grande). Diga a Lili que ela é linda e querida.

Também saudades de verdade e carinho do

Carmélio”

EXCESSO…

Boca cabelos olhos. As pernas. Pescoço nariz. A pele. Tudo beleza. E dentro dela solidão. Porta fechada, tímida. Se a perfeição está somente no corpo como serão os gestos, os sentimentos?  Isabel entra na loja da esquina. Rouba pequenos objetos sem escolher. O coração preso no medo, mas assim mesmo rouba. Caminha  com a cabeça erguida como se aquela visita fosse apenas um olhar transitório de lazer. Desafia. Quando se sente observada sorri e sai… Burla vigilância. Mas eles a surpreenderiam… A beleza esta associada à punição? O pecado exige castigo porque a beleza é excesso. Talvez! Ausência do belo uma máscara inacabada. A beleza tem veneno. Ser feio protege a pessoa.  Abre-se ao talento… O destituído de beleza se esforça na alegria para a bondade. Honesto ou cruel?

Exausta. Talvez preenchida. Um vento forte, num verão que fica vestido de primavera. A cidade lotada e pessoas feias. Isto importa? A beleza sempre importa. E mesmo assim a vida rouba esperança e oportunidade. Elizabeth M. B. Mattos – fevereiro de 2013 – Torres

BELEZA ROUBADA

A China comunista não permite canteiros de flores, nem arte, nem música.  Durante a Olimpíada de Pequim, no entanto, viu-se beleza na cerimônia… Eficiência. Beleza.

Concentrado no trabalho o homem erra menos. A beleza rouba do esforço o penoso. Entrega-se fácil à conquista.  No caso da China é como burlar, enganar  a identidade, o Eu. Apenas o conjunto tem mérito. O excesso de trabalho, e a busca da perfeição física  surpreende. Sem estorvo. A beleza não tem identidade. Depois que a beleza passa, o fardo permanece. Não se pode roubar a beleza sagrada… Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro – 2013