RECORTE

Busco a memória intacta, o passado ventoso. O frio… A geada branca e negra. E para que serve se não escrevo? Nada gruda no bloco de papel. Páginas soltas. Caixas. Veladas letras! Muitas palavras, mas nada dizem… Este tempo termina, recomeça, vai e volta. Então num beijo longo, num abraço quente vou acordar produtiva. Filhos adultos voltam às costas… Atentos ao amanhã explodem com vidas alegres, mãos dadas, caminham. Outras crianças crescem! É a ordem das coisas. Nascer, crescer e morrer… Então me debruço no peitoril da janela com aquele sorriso de prazer, e com abandono tranquilo de mãe feliz. Inspiro-me ao te escrever… Com sentimento de missão cumprida, acabada. Está na hora de viver outra vez dentro de mim. Gosto de redescobrir, de fabricar, de moldar e de pintar. Ouvir… Ouvir e desdobrar o nó daquela emoção. Ler cada vez mais. Assusto-me a cada revelação que me surpreende na mesma mesmice. Somos assim tão iguais, tão irmanados na violência, no amor, na traição, na paz, nos suados gestos de descobertas amorosas…  Na paixão, na indiferença e na traição! A fome, a sede. Inquietação, agitação e solidariedade. Não é espantosamente surpreendente sermos todos tão iguais e repetidamente iguais? Não existem paredes nem muros. Estamos sentados ou deitados. Sempre caminhando naquela imensa praça chamada mundo. Com granadas, com barras de ferro. Com raiva roubamos. A quem? Quebramos vidros, carros e ferimos pessoas. Mergulhamos nos lagos nadando sem rumo. Exaustos todos dormimos ali mesmo nos gramados comunitários. E aqueles outros se fartam de bolo, peixe e vinho… Engraçado! Vejo também os magros, sujos e acuados! As crianças abusadas… Todos na mesma cama verde! O Papa abençoa, o mar conversa… Há dança, música e encenação! Tudo aberto ao tempo. E lá estamos estupefatos. Como vamos carregar o teclado pra digitar? Teclar freneticamente contando o que é hoje. Mais tarde colocamos nas estantes estas histórias incríveis. Afinal quem é quem? Somos iguais: nem robôs, nem mutantes, nem temos poderes especiais! Ludibriamos!  Nos enganos nos escondemos. De um, de outro. Voltamos. Gritam palavras de ordem aos meus ouvidos! Não compreendo. Sinto frio e medo. Tanta desordem! Desigualdade? Não. É uma preguiça espreguiçada, acomodada. Deixamo-nos roubar cientes da incapacidade demorada de aprender, de reagir. Sucumbir parece uma ordem! É um fazer. Estamos todos de mãos dadas neste carnaval humano na grande praça… Apertados um contra os outros. Bom que posso ver meus filhos, meus netos, meus irmãos, meus amigos, meus pais, tios, meus amados… Todos juntos e libertos. Pode ver aquele monte, aquele da figueira milenar… A figueira vive muitos anos, não é? Debruçada no peitoril da minha janela imaginária vejo que estão alegres e limpos. Estão salvos. Salvos desta horda de estranhos humanos! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2013 – RJ

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