Amanhã tem que ser hoje também. E se este ontem fica turvo, fundo, escuro, tem a vela acesa do manjaléu, a vela acesa na caverna. Tantas histórias! Verdadeiras. Escusas. Torcidas. A memória se mistura com o que deveria ter sido apenas desejo desdobrado. Não sair da casa daquela infância falseada de alegria. Tudo preso no sempre que não existe. Sem idas, sem viagens, sem esquecimento, sem repetições, e tantas ausências! E a vida do outro na nossa, ou daquela memória das revistas guardadas, recortadas, coladas, desenhadas na calçada. A calçada, e vizinhos, luzes acesas. Luz de todas as casas da infância. Pedras pequenas do jardim, aquele que era também o pátio. Jardim dos jacarandás, dos ciprestes. Do fogão pras comidinhas das bonecas. Dos telhados. Das escadas. Das peças proibidas. Infância do escuro iluminado por risadas de pessoas grandes. Saudade das pedras carregadas no avental, as polidas, as coloridas. Estar. Pois é! Tantas vezes essa coisa inexplicável de estar no mundo; mundo ‘empilhado’, suado, tomado, e cheio de nada. Competitividade emparelhada, menor, e necessária! Por que só poeira? Estes enormes prédios, estes trens, estes carros, estas motocicletas, estas ruas esquecidas, esburacadas, perigosas. E ainda a roupa velha, aquela de todos os dias, colada no corpo, os tênis pesados, gastos, o cabelo em desalinho… E a manta que envolve já tão a mesma! Por que este descuido desmantelado? Não competir? Bobagem! Inferioridade? Talvez. Porão? Escuro? Não. Tem a vela acesa na caverna do manjaléu. Não faz sentido, não tem vez… Fica-se esquisso, esquerdo, e teus olhos se abaixam escondendo o visível. Escondes teu corpo de ti mesmo: descaso. A angústia de não competir, cuidar, trabalhar. Magda, Elaine, Nádia, Ana Maria, Cláudia, para citar apenas mulheres, têm as respostas. Ou sou eu a encerar, polir, lustrar, e empilhar discos, livros, mantas. Colher flores. Guirlandas! Enfeitar bonecas. Encher caixas de papel, de impressos, cartas, recortes, folhas em branco, notas, bilhetes. Exercícios, fitas. Por que? Tanto recomeço, tanto vou tentar, vou fazer, vou deixar, vou sair, vou chegar! Penso em atropelos, na vertigem, ela foi, ela veio! Estranhezas!
Esta cinzento no meio da tarde. É o frio. Gosto de sentir o mar no frio, e também contar..
” Minha poesia e minha vida têm transcorrido como um rio americano, como uma torrente de águas do Chile, nascidas na profundidade secreta das montanhas austrais, dirigindo sem cessar até uma saída marinha o movimento de suas correntezas. Minha poesia não rejeitou nada do que pode trazer em seu caudal; aceitou a paixão, devolveu o mistério e abriu caminho entre os corações do povo.” (p.173)Pablo Neruda Confesso que Vivi
Como um rio! Como o Amazonas, como o lago Guaíba, como o Mampituba em curvas, ora poluído, ora cristalino, como o Sena. Tolos crentes escondidos no amor amado! Sucumbir ingênuo. Feliz, lavado… Estes encontros voltam, e se voltam congelam. Prematura consciência. Saudade. Inaptidão! Dose dupla… Elizabeth M.B. Mattos – 2014
Esta história dO bicho manjaléu foi uma das que mais me impressionou, a vida naquela chama de vela, um sopro e termina.