DEVANEIO DE VERÃO
“Miriam pendurava na parede uma reprodução de Santa Catarina, do Veronês. Adorava aquela figura de mulher, sentada à janela, a meditar. As janelas da casa eram demasiadamente pequenas para que alguém se sentasse junto. Mas uma frente da casa estava rodeada de madressilvas e de vinha virgem, e dava para os altos ramos de carvalho, daquele lado do pátio, enquanto a outra das traseiras, quase do tamanho de um lenço, não passava de uma clarabóia que olhava o nascente, e de onde se via a aurora despontar sobre os montes familiares.”[1]
Primeiro Tempo
Errei o rumo: entrei na única e possível loja de tecidos que Porto Alegre abre entre óleos, aquarelas, panos e cheiros: telas, rendas, algodão.
Deleitada pelas sedas de amarelo-ouro, azul-celeste, preto levando ao verde desmanchado em rosado com o branco, mas fechado na palha seca do Manabu Mabe. Compro um tecido, metragem para casaco: seda com roxo, castanhos, pontos em vermelho: saliências entrelaçadas. É o pano usado pelo pintor Kirchnner no seu autorretrato. Saio da loja como a Mariana de Millais: idealizo o vestido de veludo. Na tela de tema medieval imagino a corrente da castidade. Vejo aberta diante dos vitrais das Virgens a preguiça imóvel. E, também, como ela, não sento na banqueta de estofado vermelho. Atravesso os olhos pela janela, como no quadro, e sonho com as pilhas de tecidos cheirosos do incenso e da madeira lustrosa do mogno… Espio, através dos vidros dos armários fechados, as rendas bordadas. Toco de leve no quadro de um Cristo, pendurado entre estantes, pintado por Georges Rouault: A cruz domina a composição e ocupa toda a tela. Cores ricas e formas rudemente desenhadas aumentam o poder desta imagem de salvação. Toda a realização, inclusive as densas linhas que contornam as áreas de cor, lembra os vitrais…
Lembro, agora, o quadro do pintor Graham Sutherland onde a figura de Somerset Maugham está toda em tons de amarelos, castanhos e dourados, com a manta vermelha no pescoço. Escolho estas cores em tecidos de algodão que misturados à seda farão o vestido longo que eu quero usar na dança, depois de beber o vinho e … E então será como O beijo, de Gustav Klimt, onírico. A luxúria e a decadência. Devaneios.[2]
[1] Filhos e Amantes, de D.H.Lawrence.
[2] A reprodução das telas citadas, e descrições se encontram no Livro de Arte, de Mônica Sthahel: Ernest L. Kirchnner, Autorretrato; Sir J.John E.Millais Mariana; Georges Roualt Cristo na Cruz; Graham Sutherland, Retrato de Somerset Maugham.