O imaginado volta

Timorato menino, nascido no interior do Rio Grande do Sul, região alemã, tudesco. Gentil, magro, inquieto. Dos estudos, um caminho acompanhado de perto por mãe obstinada. Síria, a mãe, não é alta e tem cabelos claros, crespos. Para o filho, sonha e trabalha duro: menino de interior, o homem da capital. O pai, carrancudo, amargo, não se envolve. Observa com distância de olhos lavados de azul. Casa modesta e limpa. Engalanada nas festas de aniversário, e fim de ano. Naquelas ocasiões permitia-se requinte de carnes, comidas especiais, gastos extras. Na verdade, a vida cheia de parcimônias, a economia dos detalhes transforma-os em pessoas acomodadas e austeras.

Preocupação, o menino Francisco. Corpo franzino, testa larga. Joelhos vermelhos nas calças curtas, camisa aberta. Braços suados. Já no quintal administra a comunidade cooperativa. Distribuir frutas, juntar jornais. Coletar papel, latas. Vender pastéis. Levantar fundos, e sonhar.  Escreve no jornal da escola. Na parede lateral da entrada, à direita, um quadro com gravuras e discursos. Faz versos sem métrica: a voz dos desvalidos. Liberdade, justiça! Conhece conceitos proferidos pelo irmão mais velho, que já se mistura no jurídico da vida. Escuta a voz prática da mãe que o quer longe do quintal. Francisco exige um pouco mais de arroz, um pouco mais de leite, um pouco mais de atenção.

Ríspido, seco, a resposta na ponta língua arde como pimenta quente. Já o olhar, ah!, o olhar,  é derramado nas meninas loiras. Gosta de descrevê-las em poemas: tranças, bochechas rosadas, saias penduradas em pernas roliças. Com as meninas elas, riso largo, olhos úmidos. Gosta de imitar, fazer rir, armadilhas de criança. Matreiro.

Foi estudar na cidade: ensino médio, faculdade. Elizabeth M.B. Mattos  –  outubro de 2015 – Porto Alegre –

Quem disse que a esquizofrenia é uma doença do sangue teve razão. Ela baixa nas veias e neste momento me move, estuante, na direção do galho que me acena, da lua que se entranha em mim, das vigas e ripas que cercam os escombros e lhes dão vida, pois estas ruínas em vias de reconstrução me dizem muitos segredos, me explica, me decifra, me convida a mergulhar para sempre em seus alicerces e ali deixar meu sangue, meus ossos, as seivas todas do meu ser que começa a se cansar do esforço de viver em vão.” Carlos Lacerda in A casa do meu Avô. 4 edição. Pensamentos, Palavras e Obras Ed Nova Fronteira. 1977. (p. 26)

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E deste livro nasceu um filme precioso. Esta é uma obra de amor e de paciência. Uma única mocinha, sua história, sua luta, seu esforço, seu drama. E a história do seu tratamento.

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