DESCONEXÃO

Histórias de interdições do amor, cartas duplas de um duplo momento: dúvidas. Fio do ontem, e do amanhã sem o agora.  Duplo na desconfiança do primeiro movimento: “porque, geralmente, é o bom”. E nós não o consideramos bom. Recusamos, escolhemos o segundo momento.  É uma elaboração secundária, a inteligência não permite saboreá-lo. Imagem da realidade tal como eu preferia que fosse, e não imagem da realidade como ela é. Existe o espelho, estamos lá e cá, ao mesmo tempo. É no duplo que se localiza a interdição das primeiras experiências. Trágica impossibilidade do imediato. Desconfio do imediato, precisamente, porque duvido que ele seja realmente o imediato. Este imediato que se apresenta como o primeiro; mas não seria, antes, o segundo? Aqui está o sentido da reminiscência. Nada jamais é descoberto: tudo aqui é reencontrado, trazido novamente à memória graças a um reencontro. Em suma, para ser real é preciso copiar alguma coisa, repetir alguma coisa, fixar-se em algo já conhecido, real, pelo menos para nós.            E o segundo lance nos parece uma repetição de alguma coisa já vivida, inacabada, mas sentida, e, definitivamente vivida, presente na memória. Talvez estas emoções não sejam nada mais do que a desconexão. Abandono. A lembrança, luxo presente. Para a percepção do eu, do que eu sou, são úteis certas lembranças do passado mesmo  que se anulem no presente. Elizabeth M.B. Mattos

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Conversar a conversa

Daqui a cinco minutos serás enterrado, ou não sei o que farão com teu corpo, não estou lá, estou desfeita. Longe. Queríamos a estória. Posso contar dias, minutos, repassar mensagens, ouvir os áudios, voltar a cada encontro. Poderei voltar no tempo, estarei eu comigo mesma.  Não estarás aqui. Não posso te olhar, nem te tocar, nem ser beijada, nem te beijar. Não acredito que foste embora …  Não compreendo por que me largaste aqui no meio do nada. Tinhas que ter pedido mais tempo. Tempo para nós dois. Não sentirei teu cheiro, teu gosto. Nem posso dizer te gosto. Nada mais será tu e eu. Não vestirás o jeans, nem os tênis. Não chegarei com cabelos desarrumados, bolsa superlotada, unhas sem esmalte. Nem vamos rir e conversar a conversa. As perguntas que não fiz, as respostas que querias não existem mais, desapareceram contigo. Textos autobiográficos que se cruzavam travados agora se enrolam no vento. Atravessamos a linha proibida e na urgência de sermos apenas nós fomos atropelados. Querias olho no olho, mão na mão. E agora nada. Talvez estejas ao meu lado. Estar ao lado parece sempre possível quando nos penduramos no amor. Talvez eu escreva o livro por nós dois. Talvez eu me sinta confiante. Talvez tu voltes. Talvez consigas entender, e me escutar… abril de 2017 – Torres – eu não estava presente. Elizabeth M. B. Mattos – Torres – inventamos uma conversa, e, não conseguimos terminar.

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Quando jovem

Quando se é jovem temos coragem, audácia. E o sexo não faz medo, – é fácil confiar. E mesmo quando há entrega não se tem a dimensão da perda. Quando se é jovem a confiança está toda depositada na nossa própria consciência, posição lógica. Não temos medo quando somos jovens, nem mesmo nos perguntamos se seria possível ser diferente. Ou isso ou aquilo. Acreditamos que É como É. Beth Mattos – 2017 – Torres