“ Falar ‘tirar um pedaço’ de alguém traz implícito, é claro, que aquele pedaço faz parte do corpo da pessoa adorada. Mas dali a três anos, cada objeto e cada pessoa daquela casa de Çukurcuma – a mãe, o pai, a mesa de jantar, a fornalha, a cesta de carvão, os cachorros de louça sobre a televisão, os frascos de água de colônia, os cigarros, os copos de raki, os potes de balas – tinha se misturado com a imagem mental que eu tinha de Füsun.”(p.397) Orhan Pamuk – O museu da Inocência
Todo gesto, palavra que não consigo dizer no momento de consciência pesa. O não dito, o que poderia ser, e não foi, se perde, se esconde na caixa que cuida do que poderia se, e talvez …, volte. Ganha dimensão desproporcional na memória. Fico a pensar o porquê de tanta ausência-presente a povoar minha vida como se cada fragmento de memória não tivesse já o gosto do fracasso, sabor definitivo. O pequeno insignificante e apertado mundo que escolhi para viver me faz reconhecer o medíocre estado de alma, a essência fluída de cada momento no esvaziamento amontoado. A caixa transborda. A negativa. O lugar de morrer. O poder de alterar, mudar, gerenciar meia dúzia de certezas de encantamentos de risadas possíveis desaparece. Neste momento não seguras a minha mão. Tanto o desejo! Onde coloquei aquele alegria natural, aquela vontade de recomeçar, e acertar… Por que me aperto dentro deste casaco? Sinto as pernas pesadas, os braços sem comando. Vou me despedaçando devagar. Tanto desejo! E tu não estás lá! Livros espalhados folhas pelo chão. A pequena mesa se submete a mesa maior…, finalmente, consigo que o espaço se alargue nesta sobreposição. Embora me sinta povoada há solidão. Escapa a preenche o quarto a tristeza. Talvez eu deva correr para dentro de mim e dormir, e dormir. Elizabeth M.B.Mattos – julho de 2018, quase aniversário do Pedro, – o tempo daquele jeito sorrateiro e lento que se esvai entre uma refeição e outra, sorri matreiro. Todos os abraços serão necessários. Todas as energias.