“ Neste nosso país maldito, que outro caminho resta às pessoas como você, além de escrever? Eu sei que você escreve porque não sabe fazer mais nada, por pura impotência. Ah!, se você soubesse quantas vezes imaginei, ao longo dos anos, esses seus acesso de desamparo!”
Costumo procurar sono nesta hora. Hoje quero escrever. Eu te devo um montão de palavras, de respostas. Já foi tão fácil! Pois é, agora sou eu a recuar perdida, ansiosa. Está sendo difícil envelhecer, perder pedaços, aceitar. Entender que a vida passou: vida viva, temos outra prazerosa a espera, diferente, encolhida. Empacotada. Mas quero. Quero o que não tenho, ou nunca tive. Desespero comezinho e idiota. Diz um amigo que sou tímida. Sou tímida? Não fui contigo contida, ou qualquer coisa assim, nem tu foste comigo, apenas fomos…, isso é bom. Acho que não posso falar de amor ou de sentimentos ou sei lá sobre quanta coisa imaginária: imaginação, fantasia. Conosco tanta coisa! Bem, fomos longe! Não lamento. Foi poderoso, forte, intenso e verdadeiro. Será que teria dado certo? Tu recuaste. Ou seria eu a recuar, seríamos nós? Não tentamos. Lembro de um apartamento com lajotas vermelhas que visitamos! Bem, preciso superar isso e voltar. Ao tempo de hoje, de ser agora. Resolvi LEVANTAR e te escrever. Tenho todo o tempo do mundo, estou cercada por todos os muros, estou trancada, protegida. E a ponte levadiça. Já me dói o corpo todo. Vou tentar dormir. Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2018 – Torres
“Muito mais tarde, depois de desliar discretamente o telefone da parede e examinar todos os cadernos, armários, anotações e velhas roupas de Celâl, com os gestos de um sonâmbulo que procura suas memórias, Galip deitou se na cama de Celâl, usando o pijama dele e deixou –se mergulhar suavemente no abismo de um sono profundo, embalado […], enquanto entendia mais uma vez que o melhor do sono era a possibilidade de esquecer –se desta lacuna desesperadora que existe entre a pessoa que você é a pessoa que deseja ser. No sono, a vida se coagula num único nevoeiro agitado, onde se confunde tudo que você ouviu e não ouviu, tudo que você viu e nunca viu, tudo o que você sabe e tudo que ficará para sempre no escuro da sua ignorância.” (p.418) Orhan Pamuk O Livro Negro