São estes fragmentos de vida que importam, não a vida inteira. O meu soluço importa e o desespero também. Tua energia. Foi tão rápido, tão perfeito, tão intenso! Chegaste! Acompanhaste as caixas. Lembras? Eu transplantada. A viagem, e a volta. Empilhada, agastada, incoerentemente, triste e feliz. Agora não tinha/não tem outra volta. Estou. Empilhadas tantas e muitas caixas! Sabias do definitivo, da desordem e da libertação. Tenho certeza que estavas a me sentir. E sabias deste novo amor. O nosso amor um pelo outro, escondido, atrapalhado, mas nosso. Os dois atados ao passado consequente de ser quem éramos, não quem somos hoje. Havia uma perda / um alguém que não começou, apenas terminou na minha voz, mas estávamos os dois presos / ancorados um no outro. E tu falaste / falaste… Mas não quiseste me ouvir. Resiliência. E o que eu faço? Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 – Torres sem histórias para contar, ainda enxugo as lágrimas com o gosto certo de que agora, já é tão tarde! Todas as partidas são/podem ser festivas se eu pensar nas muitas/tantas chegadas! Quem sabe nós ainda nos espiaremos gulosos?!
O ateliê de Giacometti
“Todo homem terá talvez sentido essa espécie de pesar, se não terror, ao ver como o mundo e sua história se mostram enredados num inelutável movimento que se amplia sempre mais e que parece modificar, para fins cada vez mais grosseiros, apenas suas manifestações visíveis. Esse mundo visível é o que é, e nossa ação sobre ele não poderá nunca transformá-lo em outro. Sonhamos então, nostálgicos, com um universo em que o homem, em vez de agir com tanta fúria sobre a aparência visível, se dedicasse a desfazer-se dessa aparência, não só recusando qualquer ação sobre ela, mas desnudando – se o bastante para descobrir esse lugar secreto, dentro de nós mesmos, a partir do qual seria possível uma aventura humana de todo diferente.[…] É a obra de Giacometti, creio, que torna nosso universo anda mais insuportável, pois parece que esse artista soube afastar o que perturbava seu olhar para descobrir o que restará do homem quando as máscaras forem retiradas.[…]”
Retirar a máscara e ser, exatamente, como eu sou. Não será possível? Sou as escolhas imperfeitas, os avanços inúteis a carregar a timidez mentirosa? Ou apenas caminho às cegas? Equívocos e outros equívocos. Medo e tanto medo! Um dia afirmaste que foste reduzido a uma frase. No entanto a minha lembrança tem sensualidade e perfeição e, certamente, paixão.
Despreparados, não assumimos nada, nem mesmo a rebeldia. Eu já tinha três crianças. Era este o “mundo visível” e a nossa juventude. Perdoa / desculpa. O amor numa bolha. Dei as costas e desapareci. Como se, em algum momento, fosse possível desaparecer da vida de alguém! Submergir. No mergulho me arvorei o direito de ser outra… Outra história. Outra graça.
Este ano será cheio de pares e olhares, e mãos a se tocarem, sim. Tu não vieste me ver em Torres em 2019. Terminou. Por que eu perguntaria ou correria a te buscar/ insistir ou ou desejar te ver 2020? Um enorme vazio se caracterizou / avultou.
Uma pequena escultura de bronze. Talvez eu pudesse pintar um quadro, moldar argila, pudesse ser artista em todo o meu tempo. E tu poetar, ou esculpir. Tímido te aproximarias, sem compromisso, mas todo envolvido… Eu posaria despida / sem pudor. Farias uma escultura. Ou tela com aquarela, um óleo, ou apenas um desenho. E tu me reconstruirias, tu me reconstruirias…
“A beleza tem apenas uma origem: a ferida, singular, diferente para cada um, oculta ou visível, que o indivíduo preserva e para onde se retira quando quer deixar o mundo para uma solidão temporária, porém profunda.” (p.12)
“Um rosto vivo não se entrega com tanta facilidade, no entanto não é preciso muito esforço para descobrir seu significado. Creio – estou arriscando -, creio que o importante é isolá – lo.“(p.21)
“É, portanto, a solidão da pessoa ou do objeto representado que nos é restituída, e nós, que olhamos, para percebê -la e sermos tocados por ela, devemos ter uma experiência não da continuidade, mas da descontinuidade do espaço.” (p.22)
Talvez eu me dedique a visitar o Sul. Torres passou a ter significado para mim. Não sei quantos amigos e amigas e mais familiares entenderão nossa amizade querida Menna. Apenas sei que me traz sempre algum sentido teus escritos profundos, vezes pesarosos, vezes leves como acabo de escrever no meu mural… Caixas… tantas vi. Tantas fiz. Sabe Menna? Mudei-me durante até aqui na minha vida dezenove vezes. Algumas foram tantas caixas cheias que o cansaço de arrumar me parecia desonesto. Outras eu simplesmente deixei muito para trás. Libertando-me como uma nau perigando adernar e assim tornar a existência possível, cabível, inteligível… E leve muitas vezes quer dizer vazio mesmo. Para poder preencher com novos badulaques. Mas as memórias não se esvaziam. Só se o Alzheimer me beijar. Mas nem este creio terei em minha mente. Talvez seja uma benção. Não sei. Lembro dos filmes de ficção onde vários cérebros seriam necessários para mim conter tantas vivências. Hoje não. Hoje estou sereno. Sereno ao ponto de dizer… talvez visite Torres. Projeto ou promessa não sei. Mas creio da boa recepção. Risos… tem hotel aí não tem? Boa noite!
“Torres passou a ter significado para mim”, eu me senti/sinto tão próxima! De repente penso/lembro das madrugadas conversando/trocando mensagens. Na insonia a pensar juntos… Amigos são estas ilhas mágicas e produtivas. Sim. Oxalá venhas a Torres, e eu consiga te encontrar. Visitaremos o mar. Vais gostar. Vais gostar mesmo se eu não estiver aqui, mas acho que ainda estarei. Temos bons hotéis e já somos uma cidade com vida própria. Vais gostar de Torres. E serás feliz nesta rota. PROJETO e PROMESSA!