
Não cabe tudo num dia. Pequena a tarde. A manhã se agita em limpa aqui e ali. Hoje passei roupa, meia dúzia de acertos/coisas: ordem de engraçado prazer. Perfume. A possibilidade, e esta chuva a limpar, levar, reabastecer. Estou cansada, eu resolvo. Uma sesta, a pausa, mas não durmo. Abro o livro, os olhos cansam. Seguro a leitura. Volto ao a pensar no passado. Saudade engraçada, sublinhada: um tempo que eu não estava, o domingo em família define. Apenas aos domingos, as internas do Nossa Senhora das Graças que moravam em Porto Alegre, podiam almoçar em casa, aos domingos, e voltar às 17 horas. Então, eu via as irmãs, outra vez o pai, a mãe e a tia. O estar especial, a receptividade, e todas as certezas bem certas, definidas. A rua Vitor Hugo, em Petrópolis, se transforma em jacarandás, calçadas e brincadeiras. Se transforma na Beth criança, Elizabeth já lembra dos vizinhos chineses. Das sementes de melancia como petiscos. Dos aniversários. Das preciosas caixas de música que a Tinita presenteava; lembro dos dois irmãos que estudavam, estudavam; também da Joice, doce e sensitiva, não sei se perdeu a visão criança ou menina, nunca perguntei, apenas estávamos juntas… Juntos na rua Vitor Hugo, em Petrópolis, Porto Alegre. E eu gostava tanto deles! Uma única vez eu as reencontrei nos Moinhos de Vento. Todos resolveram morar para os lados de lá.
“Não são muitas as pessoas de quem nos aproximamos ao longo de uma vida, e não com prendemos a importância enorme de cada uma delas enquanto não envelhecemos e passamos a vê-las à distância. Quando eu tinha dezesseis anos, eu achava que a vida era eterna e que a quantidade de pessoas era inesgotável.” Karl Ove Knausgard (p.230) O fim
A intimidade com os livros me salva / não sei exatamente do que salva, talvez da solidão, desta coisa assombrada que é ser eu mesma, com meus fantasmas. Salva de eu ter ido tão jovem para o Rio de Janeiro e ter feito buracos nestas amizades da rua Vitor Hugo, tão preciosas! Os livros me salvam. De morar sozinha. Ah! Tenho a Ônix! Tenho as buganvílias. Tenho os netos que visitam e telefonam, tenho uma filha a quatro quadras daqui, e tenho o mar, tenho a lagoa, tenho as vozes na calçada. E o telefone desligado. Ah! Tenho os livros. Tenho segredos. Elizabeth M. B. Mattos
