Plus loin que le regard / Au delà de l´attente / En dépit de toute vie vécue /Il n’ y a rien à voir / Sinon le singulier besoin de vivre / et ma manière de briser le temps – Bernard Mazo – Passage du Silence
vocação
A memória fraccionada de coisas/detalhes que importaram: uma vez eu quis ser religiosa / entrar para uma congregação. Aquelas manhãs, todas, na capela. A missa em latim e o ritual completo. O silêncio, o canto gregoriano. Os retiros espirituais dançavam em sintonia com o meu sentimento: eu completa. Unhas bem curtas, cabelos amarrados, austeridade. Uniforme, aventais impecáveis. Leituras necessárias. O latim. Um ritual que me fisgava e roubava todas, quaisquer outras pretensões. Hoje descobrindo o eu ansioso lembro desta idade com doçura! A ideia seria servir e fazer bem feito, da melhor forma: servir. Agregar. Teria eu conseguido, não sei. O certo é que as Madres agostinianas atravessam / dominavam minha alma, mas, mesmo assim eu me insurgi algumas vezes… Embora preferisse subir o morro pra fazer o Serviço Social em vez de almoçar em casa, eu também pegava em justiça com as /por minhas colegas. Enfim, de tudo que fizemos, eu não cheguei perto do convento. Hoje não assisto missa aos domingos. Rezar eu rezo. Rezo. E converso com certa insistência quando me preocupo já com os netos, como se as correntes não tivessem sido devidamente arrastadas. Por que alguém sofre? Eu lembro também da Beth menina, das orações, da doçura rebelde! Depois veio aquela loucura de querer me casar! Sim, eu já tinha trocado de colégio, o Bom Conselho era festa e festa e brilho! Colegas inteligentes / professores ativos, e um ir e vir que se transformou em festas e festas. E de lá foi varrida a minha vocação religiosa. Ter amigas / dar risadas / dançar e dançar já com a boa saliência / malicia de querer o outro lado. Agarrei um noivo que era o avesso dos meus amigos certos. Circunspecto! Zélia Maria noivou, noivou com o noivo de toda a vida, e eu queria ser como ela, a menina que ela era! Ora ora dona Beth! Nada poderia ser mais esdrúxulo. E claro! Não deu certo! O desvio deu todo errado. Nenhum verão conseguiu corrigir aquela obstinação. Torres era o nosso ferrolho / Torres era a SAPT / a Guarita / a Praia Grande com as barracas, o vôlei na praia: a festa de ser livre. Éramos todos livres e alegres e amigos. A vida! Bem! A vida seria a continuação de todo aquele sol, das caminhadas, dos namoricos, dos jogos de carta! Dos amigos certos! Panquecas de bananas, filés e sorvete. Fartura em tudo. Música. E por que eu me desviei? Não sei. Carregava a fantasia de escrever. Não seria religiosa, seria escritora. Conseguiria dizer o que acreditava. Reviraria o tempo para conta e defender / usar a mesma bandeira. A bondade, agregar, unir, resolver! E eu lia muito / muito / como se fosse possível formar / deformar as ideias, assimilar o mundo pelas letras. A cada livro, uma longa e inesquecível viagem. E foi tudo dando / sendo meio engraçado. Romper aquele noivado foi sorte, foi menos um casamento rompido, não tenho zero de desejo real ou melhor, zero saudade daquela figura empertigada. Teria sido um catastrófico erro! OK! Todos nós já sabemos. Mas eu atropelei o tempo ao me casar com aquele homem tão lindo! Tão inteligente, Tão tudo o que poderia ser! E já tão absolutamente carioca! Bem! Eu ira ser carioca / eu iria crescer / amadurecer no Rio de Janeiro / seria lá, longe de todas as vocações de menina, que eu me transformaria em mulher. E me transformei em Elizabeth Menna Barreto Moog – encurtando as saias, usando o primeiro biquíni, descobrindo a bossa nova e o Balaio / e os lugares cariocas onde se dançava e também se podia pensar e ousar. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2022 – Torres







