frio / muito frio este frio

Diego Riveraretrato de Lupe Marín: este retrato de corpo inteiro de Guadalupe Marín, mãe das suas duas filhas Guadalupe e Ruth, foi pintado por Diego Rivera (1886-1957) em 1938, muitos anos depois da separação.

vou ter que me reabituar ao frio / de certo ele sempre esteve lá, eu era criança! jovem! outro sangue, sei lá /

aqueles anos de Rio de Janeiro me deixaram por muito tempo verão,

velha no frio é dureza

velha tartaruga, eu me recolho -mas, igual sinto frio!

agora, não sei o que fazer,

não sei ir e voltar / mudar de toca, virar borboleta, ou migrar como os pássaros, ou entender os pinguins com suas enormes famílias / bem pertinho um do outro!

posso dizer: ‘tô sofrendo‘ este/deste frio, mesmo perto do mar! muito frio este frio!

liberdade: saber reconhecer o necessário

Après son départ, le bal prit une tournure moins solennelle. Les couples qui se plaisaient ensemble s’en allèrent peu à peu, suivis par de femmes qu n’ avaient pas de chevalier: l’air était devenu trop lourd à respirer si l’on n’avaient pas quelqu’un sur qui se pencher.” (p.135) Stephen Vizinczey Éloge des femmes mûres

La liberté, c’est savoir reconnaîttre ce qui est nécessaire. Friedrich ENGELS

fogo e metal

“O que Jünger viu na Primeira Guerra Mundial desenrolou-se com uma força tão enorme que para ele deve ter parecido impossível pensar que aquilo não era essencial, que expressava apenas uma dimensão periférica da humanidade, que não passava de um acidente isolado, contingente, excepcional. Pelo contrário: durante a guerra ele se encontrava justamente no centro absoluto da humanidade, da maneira como se apresentava quando praticamente tudo no mundo externo havia se afastado e restavam apenas as grandezas mais simples e mais fundamentais: a vida e a morte. Não é difícil compreender que tenha se sentido dessa forma, porque em um momento ele era um rapaz de dezenove anos que vivia em mundo de amigos e família, escola e livros, uma que outra paixão efêmera, um pai enxadrista que assoviava MOzart no banheiro e uma mãe que lia Ibsen e de fato o havia conhecido, e que levou os filhos em uma peregrinação à Weimar de Goethe; no momento seguinte vivia em um mundo de barro, lodo, frio, fome, cansaço e morte súbita, sob um céu repleto de fogo e metal.“(p.558) Karl Ove Knausgard Minha Luta 6 volume O Fim

Faço dolorosas analogias. Sinto tanto frio! Tanto frio! E o corpo todo desarrumado numa dor muscular gritando. E não faço a tal da necessária dieta, nem as caminhadas regeneradoras, e não termino a guerra! Nenhum gesto de doçura ou carinho. Então acredito que esperar é possível, passar o tempo também vai ser alívio. Voltar ao que era antes, pode ser, e o sorriso, a coragem, a força arrasta as soluções, e, eu te parabenizo, meu querido. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2022 – Torres

instantâneos da velhice

Uma repassada pelas cartas, as escritas e as pensadas. Uma memória gelada num maio frio, a preguiça esquisita do tempo passando, tempo desanimado, impreciso, sem motivo. Escuto o som dos relógios, a música interrompida, o rádio não funciona. Tanta coisa não funciona! E deixa-se ficar no canto. Poderia ser tudo diferente. Eu quis assim, difícil. Batalha e guerra, e luta todos os dias. Por que a gente deseja o avesso do que está sendo ofertado? Tendo pensar como eu poderia me descrever pra me encontrar, por que escrever e não viver? Aonde estão escondidos os bailes, maravilhosos!? A renda, o cetim e o natural. Por que o mais difícil, o intrincado, depois de me deliciar no linho, nos bordados, escolher o perfeito do vestido, a bainha impecável? O que aconteceu? Que frio! Comidinhas no forno! E o vinho! Que delícia! Descobrindo os prazeres todos os dias! Fotografei! Não resisti, as bergamotas também, o feijão também! Pronto! desabafei! Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2022 – Torres – bem cinzento por aqui!