E me perguntas, debruçado da tua vida guerreira, ativado pelo amor e
pela fé:”Como tu estás toureando os teus moinhos? Estás bem?”
Respondo, meu amigo: sinto que a vida te surpreende, e eu me alegro.
Inexplicavelmente debruçada, eu também, na tua vida… Devo estar ótima.
Tua carta devolveu…, não sei explicar ainda, vou com cautela, medrosa.
Devolveu um elo da corrente. E veio com ela, incríveis margaridas
frescas! Obrigada. Tua carta devolveu… Sempre me senti agraciada por
isso ou por aquilo, sempre foi preciso força forte para retomar o
acordar, e eu consegui empurrar um dia depois do outro, exatamente
neste ritmo. E sigo neste ritmo. Arrumo a casa, limpo, troco os
lençóis, seguidas vezes, caminho com a pretinha três vezes ao dia, e
luto pelos bons odores. Escuto piano, limpo os livros, luto com a
poeira. E o que te contar? Em desordem, em desordem as gavetas, o
armário, as estantes. Em desordem a vida e eu por dentro. Quase oitenta anos e sigo
sem mudar a criança, sem me empenhar, sigo estacionada, iludida. Como sugeres,
escuto um pouco mais da história do outro, um pouquinho. Não o
suficiente. Um egoismo latente de sobrevivência, eu acho. Penso e me
fortaleço quando leio o que escreves e quando tu me escreves: atravessas
o campo com a coragem que te é particular, o brilho natural E tua força! Mágico e perfeito. Dizes: “há lições de
reaprender e a escutar (não ouvir) por dentro, emocionar, perceber
como as pessoas são excepcionais e nunca termos dito a elas por não
termos nos dado conta.” E o que precisamos, de verdade? Deste olhar,
desta escuta, deste atravessar a prepotência de tudo saber, de
tudo ordenar…,apreender. És uma daquelas pessoas que eu gostaria de
ter tido mais perto. O JCKC me enternece sempre. Grande e poderoso,
generoso e atento, amoroso. Por ele meus melhores sentimentos.
Acompanho de perto / de muito perto, e, abraço, beijo, sempre que
possível. Teremos, ele e eu, outra vida para chamar de nossa / complementar, o primeiro pedaço foi intenso.Quem
sabe? Tua amiga R, consegue, na carta, descrever o sofrimento, ou
mais ainda a estupefação, com coragem, fé: outro mundo, sem espaço
para covardia, outra dimensão. E estas ‘transformações’ lhe trazem o
novo e a esperança, incrível! Não importam as vaidades, o estreitamento
e a presença da dor, ela acredita. Caminha noutra dimensão, domina o
sofrimento, esgrima com a possibilidade… Ler sua carta foi me ajudar a
redimensionar o raso do meu dia / ouvir, escutar e comparar. Tudo que
eu possa reclamar será ridículo e risível. Parabéns a ela! Um ser
humano em dimensões particulares. Contigo, meu amigo, aprendo a me
querer mais, estranho poder, eu abro os olhos: no começo do meu
processo lamento, lamento ter me deixado ficar em desânimo, lamento
não ter tido coragem para amar o L., por exemplo, mas eu me consolo
por sermos amigos. Quero mais vida, mais tempo, mais desdobramentos.
Mais fé. Já te contei que deveria ter entrado para o convento, mas
vês, rezo sempre, mas não estou mais envolvida com o ritual / poderei
ajudar e salvar e ser generosa? Teria sido uma boa freira? Passaram os
anos e não sei quem sou. Parece idiota isso. As pontes importam, as
referências, e, volto a te ver/enxergar com brilho, inteligencia e
força, o verdadeiro atleta guerrilheiro. Obrigada por teres me escrito. Eu te devia
uma carta / um cuidado, eu acho. Tenho tido muita dificuldade para
escrever. O importante ficou irrisório, e os meus assuntos
preferidos importam tão pouco! Estou aqui a conversar/pensar comigo
mesma. Os filhos preocupam e salvam, e me cercam como
escudeiros. Os netos, aventura. Planos de morar em Recife! Acertar detalhes,e o
medo. Sempre tenho medo.Talvez seja hora de tratar o
medo e viver a vida. (risos) Aos oitenta? Um ano e dois anos de vida vida deve
fazer a diferença. Esta dimensão de inteiro importa. Explode
completitude. Será? Enfim, meu querido, que estejas bem! Acolhido,
cercado, entre os teus. Pronto!Eu desejo. Claro,
não conseguiremos beber um café na rodoviária, e já não posso fazer
longas caminhadas. Preciso encontrar o caminho de ser eu e entender a
mim mesma antes de explodir: um vascular, um ginecologista, um
dentista, um cabeleireiro, um vestido novo, um sapato bonito, um
dermatologista. Uauuuu! Um caminhão de dinheiro! Irei a Porto Alegre
na outra semana. Tenho dificuldades de deixar a Ônix / somos
amigas, e atentas, nos /com seus já catorze anos caninos, não imaginas
como cuida da véia! Um beijo, dois beijos e melhor sorriso porque eu
te sinto. Beth Mattos (chove, chove, chove)
Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2022 – Torres

