carta / texto ou autobiografia / fragmento

Domingo avança morno. Os ruídos que atravessam as janelas, mesmo fechadas, me aborrecem. Liguei o rádio. Vejo as folhas. O vidro da porta janela da sala está com respingos das novas folhagens, altas, esparramadas escondem as janelas do prédio ao lado. Afundei-me na compra deste mar verde em pequenos-grandes vasos: verdes e verdes, o jardim. Babilônico, no estreito corredor / balcon da Independência: dívidas indevidas. Nostálgica saudade diluída nas possibilidades… O curto tempo do encontro. Desce uma chuva furiosa, grossa. Secas? Inundações? É o verão explodindo.

A majestade, nostalgia do mar: saudade. Volto para a caminhada pelos Moinhos de Vento. Jantar na Dinarte Ribeiro, restaurante de charme. Jacarandás iluminam. Urbano, ‘estou aqui’, em Porto Alegre, verão. Momento que derrubo na futilidade social da calçada. O sopro noturno rende ilusão. Tempo tomado de sonhos e precipitações. Amores soberbos? Desejo. Esta relação amistosa entre homem e mulher, beijo e afago, olhares: bizarro.

Cartas posso completar inteiras com associações idiotas, soturnas, catalisadoras, deliciosas. Gosto disso. Nas /das conversas: olhar e gesto. bebida, comida e acrescento: desperdício de tempo.

Dor pelo corpo reclamando a noite mal dormida. E isto é hoje, ainda.

Guardar este trepidante momento de mudança, chegada e silêncio entre leituras, cartas e fotos… As cortas estão pintando as portas, gosto. Minha casa, minha expressão, meu tempo, meu pra sempre, minha liberdade, meu eu.

Nem sempre conversar ou atender telefone: talvez sair e me alegrar. Se eu pudesse hibernar para depois chegar no tempo da pesca: mel, não fel, mas sol e namoricos: ursos tem ciclos. Não quero esvaziar o momento, usufruo do prazer, respiro.

Se eu me imagino na França, ou no campo, ou perto do mar… A recolher pedaços, vida. Ou em Porto Alegre, urbana, assim mesmo cheirando fruta, sol. A fala preguiçosa. Talvez tudo se faça mesmo na sonolência: noites mal dormidas, um trabalho idiota, entre pessoas mal intencionadas: secura da vida. Acreditei em histórias, histórias. E se fecham em certezas, não as minhas. Foi assim comigo, arrastam-se os anos, destroçadas tentativas, dividido entre casa e trabalho. Resulta em mulher triste: sem amor-próprio, sem amor. Perdoa. Escutar tua voz ao telefone. Bom. O som da remissão: tu me perdoas. Podemos conversar numa confidência entre mares. Tempos cruzados por afazeres: uma pedra sobre outra pedra, reconstruir. Princípios, fico com os equívocos.

Quero tuas palavras precisas. Quero sentir o cheiro. O teu carinho reconhecido de cada gesto – egoísta, mas rígida. O olhar, o toque não corresponde ao sentimento interno de alma machucada, descrente. Indiferente. Descrente (para rimar).Quem é mais feliz? Elizabeth M.B. Mattos – 2023 – Porto Alegre

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