fio esticado com luz

Obviamente, escrever cartas quase nunca é um ato inteiramente solitário. À excessão do nacisista, que na verdade escreve para si mesmo, o outro está sempre presente – uma fotografia sobre a mesa, uma flor seca entre as páginas de um livro, uma imagem guardada na memória -, esperando ser informado, corrigido, agradado – acima de tudo agradado. Como vimos, não há dúvida de que para a literatura do século XIX, modernizando Cícero, escrever uma carta era praticar um tipo de conversação. Mas seria uma conversa verdadeiramente espontânea? […] Qual o preço da sinceridade? Uma vez que alguém adquire conhecimento suficiente e experiência do mundo, as fórmulas usadas para agradar os outros se tornam uma segunda natureza, tão automáticas que não exigem hesitação ou reflexão. Contudo, isso não significa que uma fórmula habitual seja um gesto de hipocresia, uma emoção manipulada. Tampouco obscurece o espírito de quem escreve uma carta. […] Há uma pergunta antiga, só em parte engraçada: ‘Como posso saber quem sou antes de ler o que escrevi?’ Ela contem uma verdade importante: escrever cartas pode ser um exercícop de autodefinição. Por isso, qualquer que seja a forma dessas cartas, natural ou afetada, elas podem ser fragmentos de uma grande confissão.” (p.356-367) Peter Gay O Coração Desvelado – a experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s