Sublinho Lygia Clark. Não se pode minimizar a importância do exercício do Eu no mundo. É preciso entender a vida de dentro para fora. Apenas escrever o mundo, e reverenciá-lo seria como estar debruçado na janela. O difícil é cavar este poço interno. Expor este eu aos outros, um motor para o agora. Quem puder ver o trabalho de LYGIA CLARK em São Paulo na Casa da Imagem (r.Roberto Simonsen, 136 N,S.Paulo) até 25/de novembro pode reavaliar. Retomo suas palavras, na mesma carta, página 86: “ Você vê, a participação é cada vez maior. Não existe mais o objeto para expressar qualquer conceito, mas sim para o espectador atingir cada vez mais profundamente o seu próprio eu. Ele, homem, agora é o ‘bicho’ e o diálogo agora é com ele mesmo, na medida da magia que ele pode emprestar de dentro dele mesmo.”
Toda esta exposição interior do artista, este esforço para pensar o eu, explicitar, e se abrir para o essencial. Escrever, pintar, dançar, fazer música, esforço descomunal! O artista segue nesta luta solitária. Escreve Lygia Clark: “ Perco cada mais a minha personalidade aparente, e entro no coletivo buscando um diálogo e me realizando ainda através do espectador.”
Escrever, e ler tem o mesmo diálogo. A pintura, a dança, toda expressão pressupõe troca …
Quanto a ideia da participação, como sempre existiu, existem artistas fracos que não podem realmente se expressar com pensamento e portanto ilustram o problema. Para mim existe sim e é o mais importante. É exatamente essa ‘relação nela mesma’, como você diz, que a faz viva e importante. No meu trabalho, por exemplo, desde 60 é o meu problema e, se formos mais longe ainda, em 55 realizei a maquete da casa: Construa você mesmo seu espaço a viver. Mas não é a participação pela participação e não é dizer como o grupo do Le Parc que arte é um problema de burguesia. Seria simples demais e linear. Nada profundo tem essa simplicidade e nada verdadeiro é linear. O que eles negam é o importante: é o pensamento. Acho que agora somos os propositores e, através da proposição, deve existir um pensamento, e quando o expectador expressa essa proposição ela na realidade está juntando a característica de uma obra de arte de todos os tempos: pensamento e expressão E para mim tudo está ligado. Desde a opção, o ato, a imanência como meio de comunicação, a falta de qualquer mito exterior ao homem que o satisfaça e ainda, na minha fantasia, se ligando com o anti-universo onde as coisas estariam lá porque está acontecendo agora. Seria talvez pela primeira vez a consciência do próprio absoluto no agora. Outra coisa que muito me impressiona é a juventude que também como nós quer se dar sentido de dentro para fora em vez de ser como sempre foi, de fora para dentro. A verdadeira participação é aberta e nunca poderemos saber o que damos ao espectador-autor. É exatamente por isso que falo num poço onde um som seria tirado de dentro, não por você-poço, mas pelo outro na medida em que ele atira sua própria pedra…p. 83-84: Hélio Oiticica CARTAS 1964-74 , organização Luciano Figueiredo.