Lou Andreas Salomé

“Com surpresa, compreendi então até que ponto um ideal de liberdade pode entravar a liberdade individual, pois, para servir sua causa, o indivíduo se esforça com maior cuidado em evitar qualquer mal-entendido, toda a ‘falsa aparência’, e acaba submetendo-se, por isso, ao julgamento de outrem.”

“(…) ’nós’ não podemos fazer isso ou aquilo, ou ‘nós’ devemos realizar isso ou aquilo; contudo não faço a menor ideia do que realmente seja esse ‘nós’ – algum partido qualquer, ideal ou filosófico, provavelmente -, mas, quanto a mim, conheço apenas o ‘eu’. Não posso viver obedecendo a modelos, nem jamais poderia representar, para quem quer que seja um modelo. Mas é inteiramente certo que construirei minha vida segundo aquilo que sou, aconteça o que acontecer.”(54-55)

Lou Andreas Salomé MINHA VIDA Ed Brasiliense,1985

De Flor na Boca

Acompanhando de perto a angústia daquele homem, os espectadores sentem-se como personagens de Pirandello, na primeira representação levada a efeito no Brasil, na intimidade de um bar.

Imagem

A CASA do Artista Rio-grandense e o Clube da Chave de Porto Alegre oferecem à cidade um espetáculo inédito: a encenação, com Silva Ferreira e J. Marques, da peça de Luigi Pirandello, o genial dramaturgo da Itália contemporânea, ‘O Homem de Flor na Boca‘. (…)

Um dos pontos altos da apresentação foi o cenário da Sra Anita Menna Barreto Mattos, por sua originalidade e bom gosto.

Revista do Globo. Número 610. 17 de Abril a 30 de Abril de 1954

Cr$5,00

RELACIONAMENTOS

002 (4) - Cópia

P. Alegre, 15 de dezembro de 2000.

Beth:

Tuas duas longas últimas levam a me perguntar como escrevo tão pouco. Falta de talento? Ou talvez por ler todas as cartas da Beth, além de outras e além dos livros amontoados às minhas costas esperando a vez. Vai ver é isto, foste feita pra escrever e eu pra ler. Chegaremos, ou não, lá. Queres saber minha relação com teus pais. Foi com a vinda do Ruggero Jacobbi a Porto Alegre. Era famoso e a Anita que colecionava famosos o convidou para uma recepção noturna, lembrando-se de mim para enfrentar a fera cultural. A surpresa é que funcionou assim mesmo. Na época eu era também fera, embora provinciana, e o Ruggero não se deteve nas mulheres tentando me convencer. Já teu pai, uma simpatia, igual com todos, prestimoso, não se arriscava a altos papos, não se exibia. Não lembro se foi só esta noite que estive em tua casa ou noutra ainda, mas nos encontros eventuais me dava bem com os dois. Tua última que dizes conta fica na anotação de diário. Mas não vale insistir no banal, sai um pouco de ti.

Besos, Paulo

008

008 - CópiaApós sua morte os arquivos e a correspondência de Paulo Hecker Filho foram doados a

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

São Paulo, 3 de outubro de 1955

Meus caros Anita e Roberto – desculpem se escrevo só agora, mas como vocês podem ver pela data, a afobação e a correria são tão violentas, que tive de escolher o dia das eleições para ter um momento de sossego. A estas horas vocês já devem estar informados de que meu famoso negócio com a Universidade já foi aprovado pelo reitor, faltando apenas umas formalidades burocráticas. Recebi ainda ontem duas cartas (do João Francisco Ferreira e do Paulo Hecker) confirmando que vai tudo bem. O diabo é que, contemporaneamente, aqui surgiram coisas formidáveis, para Carla e para mim, especialmente no setor da TV ( o plano de teatro no Rio”gorou”, como vocês, e só vocês, já sabiam) e a gente fica com um certo remorso de abandonar tanto dinheiro em perspectiva. Em todo caso, estou praticamente certo de poder ir a Porto Alegre em março: na pior das hipóteses, Carla ficará aqui sozinha durante alguns meses, até completar a temporada de TV, e depois se mudará para P.A. – Como vocês sabem, Carla irá passar o fim do ano com Walmor; gostaria de ter o endereço de vocês, naquela época, para que ela pudesse entrar em contato com os maiores, e mais sinceros amigos que tenho na minha futura cidade. Eu embarcarei para a Europa entre o dia 30 de outubro e o dia 2 de novembro: essa informação é para Anita, que, se, se bem me lembro, tinha algo para encomendar no Velho Mundo. Disponha com maior liberdade. Espero que as várias crises psicofísicas tenham passado, e que, quando da minha chegada ali, poderei passar várias noites perto da lareira, comentando os feitos incríveis desta louca humanidade… Como vão as meninas? Cumpri minha promessa para com a Suzana, escrevendo-lhe uma carta que deveria chegar por estes dias. Sinto grandes saudades de vocês, de suas gentilezas que nada saberia agradecer, de sua casa onde me senti à vontade como em um ‘home’ natural, meu. A reforma da casa já começou? A Carla vai pedir indicações e conselhos a Anita para a localização e arrumação da nossa. Mas não vamos carregá-la de trabalho… Digam aos jovens pintores que, se eu chegar ali e puder realizar meus planos, eles também terão que arregaçar as mangas para me ajudar. Como é, a Enilda ficou muito furiosa por eu ter desaparecido nos últimos dias? Gostaria muito que vocês estivessem aqui para assistirem a um espetáculo extraordinário: ‘Maria Stuart’, dirigido por Ziembinsky, e onde a família Becker em peso dá um ‘show’ sem precedentes: classe internacional. Os preparativos para a viagem, e várias atividades no sentido de deixar a Carla sossegada durante a minha ausência, estão me deixando esfalfado e nervosíssimo. Mas vou ver muitas coisas importantes, e vou contar tudo para vocês… bem, ponto final – por enquanto. Um grande abraço para todos. Beijinho a Suzana (…).E, mais uma vez: obrigado por tudo. Até breve. Ruggero.

005

003 (6)

***

Ruggero Jacobbi: Veneza 1920 – morre em Roma 1981.Cenógrafo, diretor e crítico teatral. Cineasta, roteirista ítalo-brasileiro. Foi um dos pioneiros do moderno teatro paulista.

Walmor ChagasPorto Alegre 1930 – morre em São Paulo, 2013. Ator, diretor e produtor. Viúvo de Cacilda Becker (1956-1969, morte da atriz).

Eneida de Villas Costa de Morais: Belém 1904 – morre no Rio de Janeiro em 1971. Eneida como era conhecida era jornalista, escritora e militante política e pesquisarora brasileira. Mulher forte, viva, corajosa, audaciosa e inteligente.

Zbigniew Marian Ziembiński : Wieliczka 1908 – morre no Rio de Janeiro 1978. Ator e diretor de teatro, cinema e televisão. Zimba é considerado um dos fundadores do moderno teatro brasileiro.

Paulo Hecker Filho:  Nasceu em Porto Alegre em 12 de junho de 1926 e faleceu na mesma cidade em 12 de dezembro de 2005. Formado em Direito pela UFRGS, começou sua notável carreira nas letras gaúchas aos 23 anos, como crítico literário, com seu livro “Diário” de 1949, que recebeu o prêmio PARKS de melhor ensaio do ano no país. Nos anos seguintes, publica diversos livros, não apenas de crítica literária, mas também de contos, poemas e peças de teatro, como “O adolescente” (1952) e “O provocador” (1957). Em 1986, encerrava uma pausa de 20 anos em publicações, com um de seus melhores livros poéticos “Perder a Vida”, laureado com o prêmio Cassiano Ricardo, naquele ano. Posteriormente, outras obras de poesia como “Cartas de Mor” (1986) e “A noite não se importa” (1987), foram aclamadas pela crítica. Apanhado de Antônio Miranda

Casas desmontáveis

006

 (…) pagamento dos nossos honorários e despesas com a obtenção da PATENTE De INVENÇÃO n.6946, concedida aos Senhores Pedro F. Teixeira e Pedro Alexandrino de Mattos, cuja patente tem por objecto: Um systema de construccção de casas desmontáveis, que denominaram – “Casas século vinte” –

Rio de Janeiro, 24 de Março de 1912

Moura Wilson

Pedro Alexandrino de Mattos que é o pai de Roberto Menna Barreto de Mattos e filho de Francisco Cardozo de Mattos

Meu amigo Francisco

Existe um motivo para que eu leia este livro. Existem dois motivos para meu amigo Francisco não ler aquele artigo. Existe um motivo sério para Cristiano estar apaixonado por Madalena. Não consigo entender por que Isabel não casou com Cassiano. E a lógica desta separação, nenhuma lógica. Existe uma forma de chegar a este resultado. E não existe nenhum motivo para que eu assuma um novo compromisso. Todas as rugas atrapalham a geografia do meu rosto. Se estou a rir, digo: a vontade é chorar. Todas as leituras na comoção. As incompreendidas, mais importantes. O prazer por Miller é incompatível com Clarice, e assim Philip Roth encerra aquele espetáculo americano. Por que ler Saramago? Comprei Guimarães Rosa, e quero voltar ao Machado de Assis. Nunca fui tão jovem! Nem tão atrapalhada! Perder tempo com tanto tempo! E tu não estás ao meu lado. Velho como eu, o meu Francisco argentino! A reza purifica. Pulo amarelinha, penso Sábato! Não Borges! Leio deitada na grama em baixo do jacarandá. Durmo com estrelas acordo com a lua. Sinto bom cheiro! Magnólia. Cinamomos. Escrevo para despontar ou para apequenar? Hoje vamos todos ao teatro. Elizabeth M.B. Mattos – 2013

Manuscritas

CARTAS manuscritas. Caligrafia. Tinta. Selo. Papel arroz. Seda. Amarela. Relida.Guardada… Cortejada!

Se transcrita, digitalizada, nem mais datilografada… Apequena-se,  encolhe, repete, e sufoca… Já não é aquela carta, mas outra…

018

Quanto mais queremos

Quanto mais queremos, melhor queremos,

Quanto mais trabalhamos, melhor trabalhamos e mais

Queremos trabalhar. Quanto mais produzimos,

Mais fecundos nos tornamos. 

Após uma orgia, nos sentimos mais sós, mais aban-

donados.(p.81)

 

Charles Baudelaire  – Meu coração desnudado Ed Autêntica: tradução e notas Tomaz Tadeu

 

Plus on veux, mieux on veut,

Plus on travaille, mieux on travaillhe et plus on veut travailler.

 

 

…que adianta tentar?

Procuro nas caixas de sapato, na papelada guardada… Nas estantes de tijolos. Encontro. Abro cartas, laudas e bilhetes… Como sigo descabelada, ansiosa, igual nestes anos todos! Quando o amor devora jeito, trejeito de saudade e sorri brejeiro… Ele volta.  Nas tuas cartas, nas minhas, a trilha, a picada, o rio, a praça, o hotel, caminhadas… Areia, mar, janelas abertas. Mosquitos. Tecido bordado, repassado. Tu e eu, os mesmos.  F e l i c idade?  Vivos, iguais!  Risadas nas minhas gargalhadas. Ponho-me a te escrever na absurda saudade daquele amor amado, compartilhado, imaginado na GAAL, na Albertina, no Gafa, no Y e no H. Como todas as normas de um documento eficaz.  Em qualquer letra misteriosa usada pelo ciclista, na curva da praça. Retrato riscado, e azul. Ausência de lantejoulas e vermelho. Ausência. O ciclista se aproxima, e nos sorri, ele também. No percurso de um ir e vir  esquecimento de pacotes azedos, e fitas pretas e verdes. Uma jovem moça loira se atravessa, tropeça, e cai nos teus braços cruzados. Esquisito.  Telefone, cartas, telegramas. E a minha sempre doente ansiedade! Ciúmes, carência, e transbordamento. Que saudade meu amado de amor passado, presente! Porque existia a vida toda escondido, a cutucar, cochichar nos meus ouvidos, chegou velho… Que droga! Mas ficou. Velho. Escondo outra vez o tremor deste amor… Máscara. Letras. Despistes, ou exposição. Beijo. GAAL

Esta coisa de se amar de amor, – nudez de alma  – importa! Tu me descreves do jeito que sou ‘voltada pra mim mesma’, excessiva em tudo. Barulhenta no convívio… Reflexiva ao escrever, repetitiva: cruela talvez! Carinho, presença, transbordamento criativo. Tua generosidade! Eu me vejo egoísta, egocêntrica, exigente. Tu desdobrado, presente. E nestes momentos de ‘reencontro’ amoroso que eu me permito dou-me conta do tamanho todo daquele sentimento enorme que foi te amar, enfiada agora no teu amor por mim. Dizes numa das cartas:

Às vezes tenho medo de nós. ‘O que salva nosso amor é nossa juventude’, escreveste numa das tuas lúcidas cartas. Mas tenho medo dessa juventude tardia, que me domina na velhice. Talvez só se possa ser verdadeiramente jovem na idade adulta, quando se perdeu a juventude.”

Sigo lendo tuas cartas descritivas, as minhas acometidas fúrias desenhadas. Tremo a cada encontro. Grito. Entre triste e furiosa, nervosa eu te beijo… A última vez que nos encontramos, e fomos assistir ao horrível filme sueco O submarino… E nos deixamos ficar na aba do velho prédio do Correio do Povo (acerto?). Eu me esforçava em te contradizer, negar, alterada. Sem nenhuma concentração, só vontade de abraçar. No amor não existe palavra, tens razão. Como não te beijei na chuva… Como picavas meu coração sem saber eu me precipitei numa volta de rompantes… Estrangulava-me o ciúme, a dúvida, e me sentia pequena, inútil, e sei lá quantas mortais doenças… Com esta natureza fervente me recolho! Importa ainda que saibas quanta força me entregas, quanto do explicitado amor. Inflama vida. Chego à França e só em ti penso. Chego aos amados atravessando teu corpo… Traindo a ti, a mim. Só contigo me ocupo. Não me esvazio do cheiro, do beijo. Tu me dás coragem, mesmo na fragilidade… Eu te abraço voraz!  Atropelo. Mas é bom saber que teclei na velocidade de toujours… Talvez nem leias, não respondas, não estejas, não vejas, não queiras, repudies… Que importa! Elizabeth M.B. Mattos – março de 2013 – Torres

O trono vazio

Nunca suficiente. As horas, e os dias. Este infindável amanhecer de angústia. Noites e noites… Crimes! Furtos. Acidentes! Pedras, lixo. Prisões e mortes. Injustiça! Ou justiça cruel: não vou mais cantar/contar! Nem sei por onde começar! Matei, mas não queria! E nem pensei em morrer! Protesto! Não parece lamentável? Deveria ter terminado a faxina no quarto, lavado a roupa, limpado os livros, comprado flores… E houve tempo pra que toda a violência, a pobreza, aquelas insolentes carências desaparecessem… As manchetes! Não resolvi. E nem o repente sinalizado, iluminado por bandeiras, gritado nas ruas deu-me tempo de rezar, purificar, saldar as dívidas! Minhas terras serão tomadas, as casas esvaziadas. E eu? Tal qual Hugo Chaves não tive tempo de me despedir! Não queria ir! Vou, fui sob protestos! Portanto fiquei… Tarja preta ao braço. Lamento. Lágrima. As minhas lágrimas secaram. Todos lamentam? Lamentam? As revistas, os jornais falam em despedidas! Notícias! Droga! Não sou eu que morri!  Eu fiquei. Toquem música todo o dia, é uma ideia da morte… Morte? Somos eternos. Cada passo é a marca da minha eternidade. Sou pra sempre, sigam meus passos! A eternidade do poder! Eu vivo, viverei, e todos viverão! Nada altera a minha vida, nem a morte. O legado do vazio… Um mito. O Papa apenas se retirou. Elizabeth M.B. Mattos – março de 2013 – Torres