Conversa com Paulo

Porto Alegre: 10 de Outubro de 2001.

Lá estava eu na fila de autógrafos ansiosa, cansada e com calor. Apenas trocamos um olhar apressado. Estou a me adaptar com a cidade. Absorvo a inquietude do excesso. A convivência suga… O dia é longo, termino exausta. Com alunos era/é  fácil, natural. Agora tenho uma chefa menina – auxiliar – competitiva! Lidar com ela exige, permanente, atenção. Oito, nove horas em alerta. Sinto-me culpada por não estabelecer limites. Perdoa as queixas! De Porto Alegre a janela livre com verde e sol. Que delícia! No entanto ainda não usufruo como gostaria. Não leio. Não estudo, nem me deixo ficar… Estou mentalmente agitada e preocupada. Há que haver certeza –, L. ainda não chegou. Enfrentaremos uma certa adaptação. Estou procurando um estágio-trabalho para que fique mais perto de mim… Paulo manda a data da feira do livro. Relapsa, não tenho lido os jornais. A menina da galeria lê e recorta, cola na pasta, e… Eu olho. Vou mudar isto. Sei lá. Assumir. Definir. Apertar e chegar no equilíbrio. É um bilhete de saudade. Logo te escrevo mais. Alguma coisa no ambiente / neste estar pesa. Uma crueldade qualquer, desencontro. Não sei descrever: catástrofe! Beth Mattos

ANTONIO CARLOS RESENDE

RESTAURANTE BEIRA RIO 062 DANÇANDO COM O DESTINO

   “Encontramos história recente do Brasil, em especial do Rio Grande do Sul. Ali está a Legalidade, com Brizola; o golpe que derrubou João Goulart e ergueu os militares; o exílio, a anistia, a redemocratização. Tudo ligado ao mundo, como o emblemático 1968. (…) No plano da frente, estão as cinco personagens principais: Sebastião Bontempelli, César Romero, Luciano Ollan, Aldo Vallone e Dácio Rivero. (…)

Cinco personagens, construídas pela imaginação de um autor. Mas Bontepelli se inspira no ex governadore Silval Guazelli, Luciano Ollan, no escritor Paulo Hecker Filho, Aldo Vallone, no ex-senador José Paulo Bisol, Dácio Rivero, no professor de literatura, Dionísio Toledo. E César Romero no próprio Resende. Aqui outra porta se abre. Para a autobiografia. Mas Gide não se fotografava nas suas páginas. Tampouco, José Lins do Rego era o menino do engenho. Entre os autores e as personagens, havia um livro repleto de linguagem. Depois dela, ninguém mais é o mesmo e, agora, pode ser tudo. Porque houve uma ficção, como em Dançando com o Destino.

 Celso Gutfreind (psiquiatra e escritor)

CULTURA/ZERO HORA/ Sábado, 02 de março de 2013.

RESTAURANTE BEIRA RIO 061

A imagem

Milagres pequenos, raros, legítimos. O esforço de chegar, mostrar  a verdade escapa pelos dedos como trigo moído! Pão -, a doçura de uma prece! Tua chegada na minha vida… As montanhas que falam são cúmplices da voz que olha pra longe. Acendo um cigarro. Penso no silêncio fresco, e atordoante. A fumaça sinaliza o esforço que faço…Vejo flores brancas presas no tronco rugoso.  Ficção, arremedo de suspiro que caminha fluído… A vida se esconde nas feridas abertas. E vemos  indícios do que nos seguirá neste acaso do ocaso…

De tanto bater meu coração parou, (De battre mon coeur c’ est arrêté) um filme de Jacques Audiard. A música remexe o coração no esforço de estar… A violência do amor!

A grande sedução (La grande seduction) um filme de Jean François Pouliot. Delicadeza e  simplicidade.

Ainda um filme de Joseph Cedar, – A fogueira (Campfire).

Estou lenta na busca do essencial. O amor está no homem comum que nos olha do outro lado da calçada. Abra os olhos. Segure a luz que está ali, tão perto! Ainda Noites com Sol (Il sole anche di note). Baseado no livro O Padre Sérgio de Leon Tolstói, – filme de Paolo e Vittorio Taviani.

Se existe beleza ela está na imagem, na música, na natureza…As palavras nunca alcançam a perfeição…Tu és a perfeição. Elizabeth M.B. Mattos

O Gato de Botas

Se as palavras se espalhassem com verdade… Se tudo fosse dito branco no branco olho no olho. Sentiria medo. Não deve ser este uivo do vento, nem a calçada varrida que impressiona, mas esta verdade sem rumo e desvairada… Chuva! O susto do retrato, do fato, do gesto. Esta história da história que embala! E medo! Estranhamento! Brinca o amor, esconde a raiva, atropela a confiança, quebra o vaso, esparrama o mel…

E cala. Não desconfio, sei. Tu sabes. Ele também sabe. Não tem princípio, nem fim. Pensar Roma. Vaticano. Pensar Alemanha. É a França? Não. Vai outra vez pra Inglaterra…, e me espera. O Brasil se esconde. Enfeita-se roliço… O Rio de Janeiro festeja. E o gaúcho brinca de viver em São Paulo, bafeja o carioca, olha pro mar inteiro e se alegra… E o nortista? E o mineiro? E eu nem sei esta geografia toda. Calo. Não é irmão, nem primo, nem sangue, nem nome inteiro, cortado, adotado. O meio sorriso manso contamina. És tu a me dizeres/repetires a vida. (maio de 2021)

Era uma vez um lobo mau. Era uma vez uma menina. Era uma vez uma vovozinha covarde. E aconteceu tudo uma vez… Todos se empertigaram na cadeira pra escutar… A vida é Era uma Vez… Toda a fortuna que um moleiro deixou para os três filhos foi um moinho, seu asno, e um gato.” Caçulas herdam  gatos… Caçulas são padres… No Era uma Vez dos três Ursos é a cadeira do ursinho que quebra. Enfim! Há que reconstruir! Recontar, esconder, olhar, e recomeçar… Rezar. Sem verdade , exatamente como faz o Gato de Botas. Histórias educam. É pedagogia Que luxo! Beth Mattos

 “Quando George Gruikshank, o renomado ilustrador dos romances de Dickens, leu O Gato de Botas, ficou horrorizado ao pensar de que os pais leriam aquela história para os filhos. ‘ O conto era uma sucessão de falsidades bem -sucedidas – uma brilhante aula sobre como mentir! -, um sistema de impostura recompensado pelo maior lucro mundano possível.’ E, na verdade, há pouco valor a louvar nesse gato que ameaça, lisonjeia, engana e furta no intuito de instalar seu amo como senhor do reino.” (p.236)

Contos de Fadas Edição Comentada& Ilustrada – edição, introdução e notas Maria Tatar – Jorge Zahar Editor – 2004.

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