Longo e pedregoso caminho

O longo e pedregoso caminho: oficina das letras.

Diante do espelho olho, escolho, atravesso e busco o início. Volto a pensar no motivo, na voz, nas palavras, na escrita ela mesma, aquela que precisa estar aqui, agora, presente, comigo nesta disposição de fazer, de fazer um começo, um meio e um fim. Emparedar as palavras, cutucar idéias. Casa de livros lidos, sublinhados, relidos, olhados, entre eles, o meu. Deixar a inveja passar, o ciúme parar. Recolher o que me resta, ou vasculhar no que já existe de pronto, de feito, de bom, de trágico, por que não? Melancolicamente eu me arrasto na nostalgia sem tristeza, sem medo.

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No primeiro dia li e reli desordenadamente todos os itens. As possibilidades! Transitei entre uma e outra. Escutei Cortázar. Não consegui ouvir a música.  A irritação me paralisou. O limite de habilidades, paredes. Depois peguei o livro O filho de mil homens de Valter Hugo Mãe ao acaso como determinado… Escutei a voz dele. Voltei ao texto:

“As raparigas tinham uma ferida que nunca curariam. Estaria para sempre exposta, e por ela sofreriam eternamente. Os homens haveriam de investir sobre essa ferida de modo cruel para que nunca pudesse sarar. A Isaura não sabia ainda que era para que sofresse que lhe calhara ser mulher. Talvez, com sorte, pudesse ser um pouco feliz antes de morrer. Mas apenas um pouco e com muita sorte. A Maria dizia que isso não sucedia a todas. Apenas às mais merecedoras e espertas. Porque facilmente um erro estragaria tudo. O amor, dizia ela, estraga-se. E tu não querias ser ordinária.” (p.40)

Encanta a editoração, o diferente, o cuidado, a cor da pintura-capa. As orelhas surpresas, enfim, o livro-objeto, visual. Escolhi o texto ao acaso, mas não tão ao acaso porque logo salta a questão desta ferida-dor permanente da mulher Isaura, mulher Beth, ou Isabel, ou Elizabeth, diz Maria desta sina de ser infeliz porque “o amor estraga-se”. E logo esta coisa de apenas “as merecedoras e espertas” poderiam ser minimamente feliz. Tão sina, tão bíblico como o pecado, tão Eva. Embora libertas de algumas tantas dores segue a mulher carregando pedras. Desgarradas da vida, empacadas na esquina sem saber se dobramos para direita ou para a esquerda… Temos a sina da dor, da fatalidade deste sofrer vaticinador dito por Valter Hugo Mãe.

No segundo dia mandei desesperados bilhetes. Confusas comunicações. O eu surpresa e o eu medo. Releio e reconheço o titubeante, e o perturbador. E a menina Elizabeth diante do que é preciso enfrentar. Outra vez na Rua Vitor Hugo, 229. Petrópolis. Porto Alegre. Abandonada na beira da calçada, sem conseguir entrar… Todos saíram. Ninguém na casa? Ninguém que importe. Se o movimento segue, se as janelas estão abertas, se os cães estão ao meu lado… Não vejo nada. Outra vez, sozinha. “[…] uma ferida que nunca curariam. Estaria para sempre exposta, e por ela sofreriam eternamente.” Preciso reagir. O trabalho é pesado. Difícil. Competitivo. As pessoas esperam que eu o faça. Exaspero-me sem coragem. Recomeçar. Reagir. Não importa que esteja sozinha. Não importa que não saiba fazer. Os brinquedos não são meus. Não sei ler nem escrever. Vou apreender. “Talvez, com sorte, pudesse ser um pouco feliz antes de morrer.” Sinto o cheiro da comida, e caminho devagar para a cozinha.

Retomo o susto, e volto ao trabalho. Ler tudo outra vez, e escrever.  […] “uma oficina rica em disfarces”. Leituras atrasadas. A disciplina me falta. E a rotina é difícil. Tenho que apreender tudo. Ler e escrever, desafios. O final é o começo.

Uma surpresa ter leitores. Prazer o diálogo. A publicação vale como herança. Troca de valor, encontro e aceitação. Alguém pegou minha mão. É reconfortante! Uma remota ideia do para sempre… Longe de ter encontrado o caminho, mas vejo a sinalização. Isto é ótimo. Obrigada.

Primeiro exercício: 001 (9)

Toda homenagem é um deleite para um artista, duplamente agradável se vier junto com a juventude.” (p.117Sempre, seu Oscar Uma biografia epistolar – Oscar Wilde.

O prazer de ser homenageado de ser jovem, de fazer e ser visto, de escrever e ser lido, deleite. Encantamento. O prazer de ser reconhecido enquanto artista, ler lido, enquanto se escreve. Refazer, fazendo. O deleite, prazer, prazer, prazer, prazer de ser reconhecido, olhado, lido. Escrever pode ser a juventude do sempre. Do ser compreendido enquanto se faz, reconhecido porque se fez se faz. Trabalho. Trabalho, e outra vez trabalho acabado, feito, reconhecido. Perpetuado porque se disse. E se a juventude deslumbra, aumenta, e faz estremecer… Ser jovem fazendo, criando, produzindo e… Estremeço no duplo fazer de receber homenagem e ter tempo. Ser jovem é tempo aberto. Certeza. Juventude e reconhecimento a festa.  E junto o prazer de ser reconhecido. É duplo, duplo encantamento. E dizer é  ler, pensar, reconhecer, e pensando poder dizer. E dizer é se recriar, se refazer, se reconhecer ao escrever. Os livros fazem companhia, conversam, e me transformam. A transformação do relacionamento. A cada envolvimento, uma nova pessoa, ou desdobrada pessoa. Somos diferentes. Facetados. A cada hora do dia uma disposição. Agora mesmo enquanto teclo tenho pressa de terminar, e logo a nostalgia do acabado que só foi iniciado. Segurar o tempo importa. Deixar passar também importa. Ontem. Hoje. Agora. É para sempre. Escrever. Ler. E ainda Oscar Wilde. (p.200)

“Para Max Beerbohn

28 de maio de 1897

Meu querido Max, não tenho palavras para expressar minha enorme alegria ao encontrar seu presente maravilhoso esperando por mim em minha saída da prisão e ao receber as doces e encantadoras mensagens que você enviou-me. Eu achava que a gratidão era um fardo por demais pesado qualquer um carregar. Agora sei que é algo que deixa o coração aliviado. Para mim, o homem ingrato tem os pés e o coração de chumbo.”


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