Figuras no azul

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Vejo um cavalo puxando uma carroça. Dolorido, suado, magro. Cansado. Carros soam buzinas. Segue, aguenta na lomba. Cansado. A tristeza se derrama pela ladeira como um rio escabelado…Cascata a tristeza, escorre no paralelepípedo, nas calçadas. Minhas pernas doem, suarentas, exaustas. Sem cabresto sigo, sigo molhando o corpo na imunda saudade triste. Caminho nas pedras, descalça. Lembro a carta solidária de Iberê descrevendo generosidade, gritando dor. Solidário, impotente. Mundo egoísta, carimba propriedade, grilhão. Peso que mede sem medida, sem dó, ou piedade. Sobrevivência.  Água. Propriedade. Mil réis, cruzeiros, centavos, reais. Gravuras, pincéis, papel. Planto tomates e alface nas janelas poluías de São Paulo. Vou procurar os amigos: Edy Lima,  Marco, os Bordini, ou ainda Jean Lhemans. Paulo Sérgio. Levo mimo de Natal. Desafio Iberê a terminar o imenso quadro azul naquela terra gaúcha de Nonoai. Tropeça sem cor, sem tinta… Também tropeço no azul. Longe um do outro! Caídos. Como chegar no tempo de arrumar o tempo deste mundo que aperta? Não tem volta pra rua das Palmeiras. A carroça chegou ao alto. – Vou logo te entregar o meu pote de amoras, meu querido! Elizabeth M.B. Mattos – 2013 -dezembro – Porto Alegre

Foto de Joana Vianna Moog

Como os capitãe…

O desrespeito pelo mundo, pelas pessoas cresce. Deboche na políticos e nas propostas. Ironia através de informações festivas com tintas de verdade escandalosa. Miséria, ajustes, desenvolvimento, roubo, ladrões, assassinatos. Novos escândalos! Assustador! Como não percebem? Como consideram o mundo os que o tornam mundo?  Como não consideram o que está acontecendo? Teatro macabro. Falta de atenção? Somos todos surdos, mudos, e nem se trata de risos ou lágrimas. Perplexidade. No texto abaixo, o poético descaso com a beleza do mundo.

O que já foi dito sobre beleza?  O que já foi dito sobre observar, ver, pensar, constatar? E encontrar o possível? Tropeçar, mas caminhar…É preciso reavaliar. O primeiro gesto, a última lágrima…

 

“Como os capitães de petroleiros que esvaziam os tanques em alto mar percebem o oceano? Que percebem da paisagem rural os que poluem com cartazes as estradas das cidades? Como consideram o mundo os que o tornam mundo? Se o considerassem tão divinamente belo quanto, evidentemente, eu o percebo, respeitariam o espaço e os seres vivos que eles assassinam. […]
Hoje, nosso mundo corre perigo não apenas pelas razões que conhecemos, energéticas e duras, técnicas, financeiras ou industriais, mas talvez sobretudo, porque os responsáveis pelas decisões das grandes empresas que se estendem no espaço perderam a sensação, o sentido hominoide da beleza – hominoide porque remonta, no mínimo, às percepções e às pinturas de Lascaux; hominoide porque sapiens significa: aquele que tem gosto. Será que ele durou tanto tempo porque vivia na beleza? Não perceber equivale a perceber mal; perceber mal enfeia, enfeiar sua companheira a mata; não perceber o mundo o enfeia e o mata. Não destruímos apenas por gases devidos ao efeito estufa, mas pela cegueira, produtora de ignomínias. Não vemos mais o mundo, perdemos nossos Faróis ou os condenamos a extinguir sua luz. Quem e o que percebemos nós?”  (p.75 -76)
Virgínia Woolf O tempo passa
Editora Autêntica – tradução e notas de Tomaz Tadeu, 2013.

 

Virgínia Woolf nasceu em 1882 e morreu em 1941.

Desafiando

Depois da dor, daquela dor dura e persistente, o corpo parou de suar. A cabeça afundou no travesseiro. A mulher enrolada nas cobertas, braços apertados ao corpo, ou presos, ou amolecidos… O volume humano na cama.  A cadeira de riscas geométricas ficou menor, a mesa abarrotada de livros, papéis, e caixas completou o desalinho. Desordem. No chão vestido, meias, sapatos virados. O quarto foi mudando de cor:  azul, violeta, depois vermelho. Finalmente o perfeito da noite. Ruídos da rua sobem pelos degraus com a velocidade natural do som; entram lentos, comovidos. Janelas se fecham mansas. Ela não acordou no dia seguinte, apenas no meio da tarde do outro dia. A dor desafiando, pretensiosa, com pompa.  Eugênia se conformou. Olhou para os comprimidos, o copo vazio, levantou medindo os passos. Abriu janelas pro vento fresco. O rosa, o branco, o amarelo das folhas se dobraram… Tempo enganoso. É preciso medi-lo com relógios, badaladas, números. O sentimento se acomoda no medo. Ela não sabe por que está ali tão cansada! Não há motivo. Apenas sentiu a dor, tomou o remédio, e se entregou. Elizabeth M.B. Mattos – 2013 PORTO ALEGRE

RECORTE

Desatenta. Sem energia. Exausta. Boa conversa na cerveja, nas risadas. Cheiro de mar no asfalto. Leveza. Calor. Depois da noite fechada, e da manhã aberta, retomar. Exatamente o que é preciso fazer? Árvore de Natal. Pacotes, listas, mimos. Não precisa mandar cartões. A mesma coisa. Mamadeira. Brinquedos. Suor. Depois o cheiro da grama. Cômodos vazios recém pintados. Venezianas. Já está lá…

O pecado

Desfigurar o belo, pecado. É preciso segurar, agarrar a beleza… Reter este prazer volatizador. Usar as mãos, o corpo todo. Perigoso forjá-la porque é voluntariosa. Num repente não está mais lá. Não é mais a mesma curva, nem o mesmo ritmo. Ficou esquisito, estranho, feio. Outra picada, outra estrada. Sem perceber a essência desta beleza pousada já se transforma: o belo se transmuta reflexo. Simples assim? Aquela tela, este mar, aquele caminho, a pedra, o livro, a mesa, uma cadeira Pantoche, a palavra, o lápis, a rosa, o vermelho tanto como o amarelo estão ali, belos… O exercício de olhar. O que vamos procurar? A sombra nesta foto não é da beleza, mas a tomada de um momento…Talvez esquerdo. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2013 – Torres

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