” Não vemos as pessoas como vemos casas, árvores ou estrelas. Vemo-las na expectativa de as encontrarmos de uma determinada maneira, transformando-as, assim, em um pedaço da própria interioridade. A força da imaginação forma-as de maneira que estejam de acordo com os próprios desejos e as próprias esperanças, mas também de modo que nelas se confirmem os nossos próprios temores e preconceitos.” (p. 81 )
Trem Noturno para Lisboa – PASCAL MERCIER
A memória escreve-se com tinta de tinteiro. Escreve-se com máquina de escrever. A fita se gasta, esgarça, o papel rasga. Ou digitada no placplac do computador. Escreve-se apagando, ou riscando com lápis… Ou carta telegrama no código saudade, querer, esquecer, hoje porque já é amanhã… De lembrar também. Aquela carta que desvenda, linhas brancas o não dito. Reticências. A estória se transforma com a bruxa, ou no momento em que o príncipe beija a moça… A estória com riqueza na tristeza, vergonha. Mal vaticinado. Com inveja, conselho, e também o perdão… E restos. Restos de palavras. Rastros em folhas de papel. Escorrega amor lavado com sabonete, água quente, óleo, perfume. O cheiro. Não é pra te contar, sei bem que não queres ouvir. Não e pra dizer, não é pra sofrer minha amada! Tens apenas que ler! E.M.B. Mattos
“Cheguei em casa ao entardecer de hoje. Encontrei cartas, poemas de Drummond. As duas fotos, em pétalas de flores ao natural, parecem ser outra pessoa: cabelos pretos, diferentes do aloirado que eu conheci agora. Uns segundos após, aparecias inteira naquele rosto fotografado ao sol do campo, tempos atrás. O mesmo jeito, um jeito alegre por trás de um leve esboço de sorriso triste, ou lábios bonitos, carnosos. Eras tu. E de corpo inteiro, mesmo que a foto traga apenas do busto para cima. Noutra carta, entre margaridas, olhos fechados, bela, parecias tu, mas podia ser também a cena final da Julieta shakespereana filmada em cores, ela estirada, dormindo sua beleza e seu amor eternamente. Agora, enquanto escrevo as fotos pousam à minha frente, no horizonte dos meus olhos. Imagino o ano: 1984, para ser dez anos atrás.”
Esta, e outras. “Do jeito que me queres teu, e lembrado. Tudo que foi dito naquela caligrafia pequena, e naquela outra esparramada, em todas as folhas o que se lê pra esquecer. Sou eu, o teu amado!”
“Tenho saudades tuas, tuas, tuas, até mesmo do teu jeito ‘acelerado’, de andar e andar de um lado para outro (dentro de casa e/ou na cozinha à hora das refeições). Desacelera um pouquinho tua vida, até mesmo para usufruir melhor de toda a vida que tens. Tens que usufruir da tua vitalidade. Não gastá-la como quem joga moedinhas no mar, para os peixes.”
“Ao reler ficarás ainda uma vez bela pra que eu possa te dizer, pra te olhar, pra te beijar sensual, leve como te guardo na memória! Carrega o beijo minha querida, prepara o abraço. Estou voltando!” FHTavares
“P.S. Cordélia, e se eu escrevesse assim a Albert: Caro, não sei como tu entendes as palavras e as coisas (essa frase me soa familiar, irmã, ah, já sei, o brilhante tarado do Foucault). Ando exasperado. Franz já te levou um camalhaço de bilhetes e nada respondes. Como te sentirias se te convidasse à minha casa? Sei fazer bebidas adoráveis. Bebes?” […] p.20 Cartas de um Sedutor, Hilda Hilst. Ed. Globo, 2002.
Tao linda, tao verdade… o amor nos constroi, nos tras o tempo e a verdade do seu significado. Muitas vezes com dor, uma pitada de tristeza, mas ainda assim amor. Me completa, me seduz…me faz mulher…sempre o amor.
Eu diria, como Maetê Proença escreve: (p,33 – Entre Ossos e a Escrita, Ed Agir) “O amor da minha vida eu encontrei, tem nome, é de carne e osso, e me ama também. Agora falta encontrar alguém com quem possa me relacionar.”
Às vezes, buscamos no outro apenas a nós mesmos… queremos apenas espelho… e o espelho se quebra…
Ana Gilbert, tens razão queremos a nós, não o outro… E não nos damos conta…