1.
Silencioso. Domingo. Passarinhos se agitam na piação, o verde está verde, frescor entrando, não parece verão, mais primavera azul. Não parece cidade, mais campo quieto amanhecendo. Janelas fechadas, entre as caixas, edifícios, telhados pontiagudos, sótãos. A construção francesa ao lado, um casarão tombado, abandonado, se impõe entristecido. A realidade real: inclino o corpo nesta janela, estico o pescoço para entender a floração dos ipês amarelos. Enfeites pontiagudos do casarão, o telhado com mansardas, a casa da casa da esquina, o número 229 da Rua Santo Inácio no Moinhos de Vento. Agitação interior, anos se sobrepõe, e se modificam, como as duas luas do Murakami, esquecimentos referentes ao tempo de dois anos, quatro, cinco anos atrás…O contorno da memória específica de ter onze anos de idade. Não tenho firmeza nas mãos, as fotos saem tremidas, assim mesmo, cliquei os arredores para registrar o silencio destes dias. Multiplicados espaços. Os carros não passam, as pessoas não falam. Janelas vazias, cortinas e venezianas serradas. Leve odor de comida de um restaurante insistente! Temporada de férias compridas de quem enfiou o último dia do ano no Natal e esticou… Posso bocejar, bebericar mais café, iogurte, chupar uma laranja, cortar em fatias uma manga madura. Não comprei uvas. Eram uvas pretas, brancas, rosadas, em caixas. Embora seja verão, na quitanda, todas as estações se misturam, como velhas casas e novos edifícios. Asfalto com paralelepípedos, jacarandás, cinamomos e ipês, flamboyants. Coqueiros, ciprestes. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro – 2015 – Porto Alegre
Nota: Haruki Murakami, 1Q84, volume 1