Sem explicar

2015-01-03 17.04.21

“T. tirou da geladeira um chá de cevada e o bebeu.

– Não consigo deter as vespas furiosas, mas, de você, acho que consigo cuidar. F. fitou. T. durante um tempo e disse:

– Você está diferente.

– No que estou diferente? F.  entortou os lábios num ângulo incomum, e depois os fez voltar ao normal. Ela não conseguia explicar.

– Não precisa explicar – disse T. Se você não consegue entender coisa alguma sem explicações, significa que continuará não entendendo, apesar das explicações.” (p.159)

(…) Ela me ensina alguma coisa. Ou tenta ensinar. É necessário existir esse tipo de imagem para as pessoas continuarem a viver. Uma imagem que possui um significado que não se pode explicar por meio de palavras. Há quem diga que vivemos em função do desejo de entender o que esse algo tenta nos dizer. É o que eu acho.” ( p.275)

“A vida de uma pessoa pode ser essencialmente solitária, mas nunca isolada. Em algum lugar sempre existe alguma outra vida que possui uma relação com aquela. Nesse sentido Aomame precisava assumir de algum modo a responsabilidade daquele ato.” (p.277)

1Q84 – ( volume 2 ) Haruki Murakami 

 

 

Cheiro azedo

1.
Choveu ontem de noite, bastante. Refrescou. Dormi cedo, sonhei sonhos enormes. De uma vez minha casa remexida, usada. Janelas, esqueci todas as luzes acesas! Podia ver do jardim, atravessando o alpendre que as coisas estavam remexidas. A porta da geladeira aberta, restos de comida em cima da mesa, cadeiras fora do lugar, e luzes, muitas luzes acesas. Já estava dentro da casa, estupefata, ardida de medo. Angústia e desalento os sentimentos. Outro sonho, era no edifício do apartamento da irmã. Estávamos presas entre dois elevadores … Duas portas, deveria ser de elevadores, mas estavam cimentadas, via-se apenas o recorte, e não podíamos sair daquele lugar. Talvez tenha dormido demais. Não era amistosa aquela manhã.
2.
A leitura pode prolongar amistosamente o tempo, e os dias se esticam como se tivessem pernas grandes, ágeis. A cadeira abraça. Festa animada. Gosto destas anotações, pontes de memória, outras visões, arestas e atalhos. As particulares histórias esquecidas que se avizinham desordenadas! Ah! Se houvesse jeito de escrever, ler, pensar, divagar, aprender, tudo ao mesmo tempo! O livro faz estes recortes internos dentro das pessoas.
O que se escreve tem peso de pedra. Dá um arrepio pensar que não está mais lá no papel como desejamos … Esta conversa de dentro esmiuçada aquece. Quero que seja absolutamente verdadeira, mas não é. Palavras! E não tenho o completo manejo.

Fica – se tempo demais na superfície vazia de conversas casuais. Não se diz nada. Emitir sons, grunhidos. Agora escuto o cortador de grama. Se inicia o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, e o cheiro azedo, catastrófico se espalha. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2015 – Porto Alegre

Água gelada no verão

1.
Silencioso. Domingo. Passarinhos se agitam na piação, o verde está verde, frescor entrando, não parece verão, mais primavera azul. Não parece cidade, mais campo quieto amanhecendo. Janelas fechadas, entre as caixas, edifícios, telhados pontiagudos, sótãos. A construção francesa ao lado, um casarão tombado, abandonado, se impõe entristecido. A realidade real: inclino o corpo nesta janela, estico o pescoço para entender a floração dos ipês amarelos. Enfeites pontiagudos do casarão, o telhado com mansardas, a casa da casa da esquina, o número 229 da Rua Santo Inácio no Moinhos de Vento. Agitação interior, anos se sobrepõe, e se modificam, como as duas luas do Murakami, esquecimentos referentes ao tempo de dois anos, quatro, cinco anos atrás…O contorno da memória específica de ter onze anos de idade. Não tenho firmeza nas mãos, as fotos saem tremidas, assim mesmo, cliquei os arredores para registrar o silencio destes dias. Multiplicados espaços. Os carros não passam, as pessoas não falam. Janelas vazias, cortinas e venezianas serradas. Leve odor de comida de um restaurante insistente! Temporada de férias compridas de quem enfiou o último dia do ano no Natal e esticou… Posso bocejar, bebericar mais café, iogurte, chupar uma laranja, cortar em fatias uma manga madura. Não comprei uvas. Eram uvas pretas, brancas, rosadas, em caixas. Embora seja verão, na quitanda, todas as estações se misturam, como velhas casas e novos edifícios. Asfalto com paralelepípedos, jacarandás, cinamomos e ipês, flamboyants. Coqueiros, ciprestes. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro – 2015 – Porto Alegre

Nota: Haruki Murakami, 1Q84, volume 1

2015-01-10 15.50.17

2015-01-10 15.47.242015-01-10 15.48.12

2015-01-10 15.47.39

2015-01-10 15.47.552015-01-10 15.50.00

Invisível

Eixo, foco, pedaços, história. Qual vida, em que tempo? Relações familiares: casa, estranhamento, amigos, e vontade. Recomeço do começo, Espicho a lembrança, e não avanço. Cronologia sem pesquisa, preguiçosa…Sem motor, pedal, rodas. Invisível.