Meu amigo:
Penso autobiografia. Traço o esboço da casa, e das pessoas que entravam, saiam, e ficavam. Da limpeza, do estético, da elegância de minha mãe. Café preto, cigarro, bandejas. Quadros, cortinas, e lareira acesa. No verão, Torres e as balsas.
O incomum se agita. Penso, principalmente, na Anita que não conheceste. Rebelde, anestesiada destas baboseiras da vida do corretamente adequado. Personagem forte. Arrimo emocional. O tempo se agitava passando pelos seus dedos acolhendo os outros tempos. Sentada na ponta do sofá, desenhava, escrevia, silenciosa abria revistas, escutava Beethoven naqueles discos pequenos! Depois conversava, falava, opinava sobre tudo. Pontuava. Sugeria. Sorria. Transgredir talvez fosse a palavra certa, a posição corajosa de recuar aqui, e seguir ali por cima das pedras, escorregando, mas seguindo. Não olhar para trás, mas entender o perigo, aceitar o açoite, e ficar. Deixar a água correr.
Já escrevi disse. Bambus podem ser a cerca perfeita. Ouve-se a voz do outro lado, vemos sombras, mas permanecemos separados. Os vizinhos não invadem. Seguem debruçados, conversam, falam, soltam foguetes, festejam, não prestamos atenção.
Pai e mãe em leituras, em conversas agitadas por discussões, e opiniões, protegem o feudo. Tecer com cuidado. Posso dizer, aplicado?
Volto a te escrever amanhã.