A coisa mais difícil é não se interessar por nada. Não ler, não ter nenhuma distração. Alcançar o silêncio e a escuridão. No entanto, é no silêncio que a realidade se acende. É no silêncio que as vozes chegam. E preciso ouvir a palavra. Mas é a imagem que conversa… Não escuto.
Estranho! Sempre temos vontade de viver na imaginação de alguém. O outro atravessado no olhar… agarrado/agarrando…
A janela devolve o movimento. Luz e som. Corro atrás das coisas e perco a alma. Esvazio o coração de pesares. Dúvidas, arrependimentos. A experiência sufoca. Guardo a inspiração.
Copiar é o exercício do artista. Copiar o gesto, a palavra. Para copiar é preciso ver, observar, olhar. E, para ser feliz é preciso eliminar pensamentos. Fugir para longe do corpo, o corpo nunca está satisfeito.
Sinto preguiça. Volto a me debruçar na janela.
B. A. 17 de maio
Estou perdido no mundo. Não sei sequer que horas são, meu relógio de pulso, sem pilhas, não me dá o norte do mundo. Estou sozinho no meu apartamento, no meu, não no nosso). Sei que é de tarde pela inflexão do sol. E que é muito tarde porque estou famélico e o frio aperta mostrando que estou sem me alimentar. Aqui estou desordenado, desorientado, perdido. Todas as coisas foram para o apartamento novo e escrevo -te da mesa da cozinha, no pouco que aqui restou intacto. Creio que que eu restei intacto. Intacto, mas começo a sentir o tiroteio. Ontem recebi tua enxurrada de cartas. O porteiro as havia guardado no nosso apartamento para me entregar em mãos. Isso atrasou-as uns dez dias. Talvez tenha sido bom. Se as tivesse recebido antes, talvez não houvesse enviado tantos telegramas. F.T. E eu digo saudade / esvaziar um amor demora.
Saudade utilitária. Cuidado com a palavra saudade! Tem um sentimento que se diz saudade, mas é antes necessidade. Necessidade de companhia, de apoio, um utilitário. O sentimento amoroso fica soterrado. Não se trata do outro, mas de uma bengala. O depósito, a segurança. F.T. Elizabeth M.B. Mattos – 2015
Muito bom e inspirador.
Acho que tudo muda mas fica um substrato de vida vivida. Esta permanece.
Carmen Lícia Palazzo
Gostei demais!
Lucia Maria Ramos da Silva
Excelente teu texto.
Maryur Silber