Só uma pessoa vigilante consegue conservar a liberdade.
Caminhar, movimento simples. Chegar é difícil.
Preciso repetir e explicar. Colorir. Sossegar.
Estou chegando. Devagar, mas chegando … Elizabeth M.B. Mattos – Torres – 2016

Só uma pessoa vigilante consegue conservar a liberdade.
Caminhar, movimento simples. Chegar é difícil.
Preciso repetir e explicar. Colorir. Sossegar.
Estou chegando. Devagar, mas chegando … Elizabeth M.B. Mattos – Torres – 2016

“Cada homem, como cada cão, tem o seu limite de resistência. A maior parte dos homens atinge esse limite após trinta dias de tensão, mais ou menos contínua, sob as condições do combate moderno. Os mais fracos sucumbem em quinze dias. Os mais fortes resistem quarenta e cinco ou até cinquenta dias. Fortes ou fracos, todos finalmente soçobram. Todos, quer dizer, os que gozam de boa saúde. Porque, diga-se com sarcasmo, as únicas pessoas que conseguem suportar indefinidamente a pressão da guerra moderna são os psicopatas. A loucura individual é imune às consequências da loucura coletiva.” (p.90) Regresso ao Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley
Escrever sobre amor, conversas fúteis e ligeiras, uma aberração. Estamos em abril de 2016. Outubro cinzento, excessivamente quente. Excessivamente desesperançado. É Brasil, foi Brasil, seguirá sendo Brasil. O mesmo desde a documentada descoberta de Pedro Alvares Cabral. Quem foi mesmo que chegou às terras de Vera Cruz? Em que dia? O que sabemos sobre história, sobre o que importa?
Está tão escuro nesta rua! Nenhum caminho, a rota, ou solução, ou chegar. Como escreve Huxley: “Cada homem, como cada cão, tem o seu limite de resistência.” Chegamos ao limite? O esvaziamento tem cheiro de entrega. Estamos acuados. Como o cão pastor do meu vizinho. Cerceado. Limitado.Posso chorar por ele, mas só posso chorar. Estarrecedor. Passamos por momentos piores do que este? Ou este é o pior porque é hoje?
Servir e dignidade. O que foi mesmo que Karl Max escreveu? E o que Sigmund Freud tentou explicar? Quem foi Henry Ford? Quem é Winston Leonard Spencer – Churchill? .
Sempre quero justificar as histórias. A verdade importa pouco porque é apenas um ponto de vista, tem um olhar, o meu. E tudo está mudando, andando, quando digo tudo eu me refiro aos fatos, as pessoas, ao mundo. Alguns objetos permanecem, como escreve de um jeito cheio, John Updike no livro Busca o me rosto: “Estranho, pensou Hope, como os objetos nos seguem de um lugar ao outro, mais fiéis que os amigos orgânicos, que nos abandonam quando morrem.” É verdade, o objeto está sempre ao nosso alcance tangível, e o tempo, muitas vezes, nem o deforma, cria uma pátina, só isso. E então afirmamos que nada mudou. A mesa é a mesma, as cadeiras trocaram o estofado, são as mesas. Os livros envelheceram, mas estão lá, os mesmos, encadernados de vermelho, com as iniciais douradas na lombada. E o cheiro. O cheiro, o mesmo. Claro que nós mudamos, e nosso olhar, percepção mudou. Os fatos não eram exatamente como eu descrevo. Nem como ele explicou. Na verdade a importância que emprestamos ao fato se avoluma, e toda a medida está naquele sentimento avolumado. Alguém omitiu isso, esqueceu aquilo outro. Disse, sentiu, enfeitou o encontro do jeito que podia, escondeu o que não deveria esconder, ou porque não achou justo relevar. E as histórias, as nossas, qualquer história tem uma infinidade de facetas. O vilão é o anjo, tanto quando o demônio é santificado. O que é exatamente o GOLPE? Não usamos o mesmo sentido. A tal dialética! Então buscamos o terapeuta. Escuta. Escuta, repetimos, repetimos, ele puxa aquele fio, estica. E damos um nó pra continuar porque a tensão o fez partir. Juntamos os pontos, seguimos contando, afirmando, colorindo, esquecendo, e deixamos a narrativa cheia de lacunas, ou resultados, ou como se explica, deixamos as narrativas incompletas. Mas todas elas importam, embora não se consiga chegar ao fim. Haja notas, interpretações, coerência, fluidez, mas nunca haverá o ponto. Nada está exatamente consumado. Francisco tem a voz de Manoel, Manoel traz o jeito de andar de Francisco. Um lambuzou o tempo de dúvidas, o outro quer polir, elucidar. Tudo não passa de um teste, um experimento. E Isabel está, assim mesmo, alegre.
Quando ele abriu a gaveta encontrou uma verdade naquelas anotações. Embora pareça uma resposta. O que está escrito é apenas um sinal: “Nenhum fato neste mundo tem tanta importância, a não ser a loucura da importância que lhe damos”. (C.K.) Elizabeth M. B. Mattos
1.
Sentou perto de mim, e não falou.
O motivo de estarmos constrangidos?
Calor. Excesso de sol. Excesso de verão. Excesso de silêncio. Excesso.
A luz, a sede. O suor do meu corpo incomoda. Vou repetir, detesto silêncio, estar imóvel, e esperar. Ter que escolher entre um amor, e outro amor. Um beijo, ou um abraço. Francisco importa. Fugir, abandonar lógica, ser feliz. Acompanhar o desejo ardido. Deveria entender, segundo minha avó, a importância de escolher Manoel. Não entendia.
Penso naquela tarde, e no dia seguinte. Penso nas palavras de tia Celina. Ouço sua voz repetindo ao meu ouvido enquanto me abraçava: “Nenhum fato neste mundo tem tanta importância, a não ser a loucura da importância que lhe damos.”* Bebemos o suco da jarra vermelha, devorei os biscoitos da lata, e rimos enquanto eu contava, num fôlego, em detalhes, toda a história daquela tarde louca que rolamos Francisco e eu, aos beijos pelo gramado. Tiramos a roupa para examinar o corpo um do outro. E como estava alegre. Expliquei, com a boca cheia de bolacha, que a felicidade tinha este gosto de grama. Contei que Francisco dizia que o meu corpo tinha cheiro de manteiga. E foi como ser a Gabriela de Jorge Amado…
2.
Isabel mexeu o corpo, o vestido de algodão colou nas pernas. Embora as portas se abrissem para a varanda, e as venezianas fizessem um pouco de sombra, o sol era a única coisa estabelecida, acomodada naquela sala. Tudo o mais se traduzia em constrangimento. As labaredas do fogo subiam pelo pescoço das pessoas.
*(C.K.)
Tem um fio invisível que segura, prende um sentimento ao outro sentimento, um olhar ao outro olhar.
Tem uma mão que segura outra mão. E aquela memória de tudo ser o mesmo, tudo igual já não é mais…
Já somos grandes, pessoas, adultos. E diferentes. Se espalha urgência desastrada. Quero os pés no chão, verdade pequena. Chorar qualquer lágrima… Entender.
E o pedaço de pão que reservei, o pote de água, a cama que deves descansar, te esperam, estranhados. E não vens. E não virás. Desembarcou noutra ilha. Não falas. Não compreendes.
E eu te conto, escrevo, meu querido. Desde muito pequena converso, brinco e falo contigo, amado imaginado. Foi tudo amarrado naquele fio esticado de ter doze anos, quatorze anos, quinze anos. E nos engalamos para dançar naquele baile.
As tuas areias, as tuas pegadas, outras. O teu mar, tuas terras, outras. Arrozais e pradarias ao vento: colorido teu mundo de luz, leveza, e sol.
Encantado, juvenil, descabelado crisântemo, alegre margarida. De sorrisos e leveza, crianças e balões. Outro quintal. Vamos nos encontrar entre os perdidos – desaparecidos, reencontrados, achados.
Outro mundo, outro amor. Outro encontro. E vais me sorrir uma vez… Elizabeth M. B. Mattos – abril – 2016 – Porto Alegre
