Faz frio neste junho de 2016. O sol entra por todas as janelas. Mas segue bem frio, e venta. As árvores se sacodem nesta dança. A lagoa encrespa. Estou enfiada na cama. Desliguei os telefones. Absorvo a leitura. Não é apenas ótimo o livro. Ou estas trezentas páginas lidas do primeiro volume de Karl Ove Knausgård. A leitura se modula, intensa. Como uma tela preciosa em movimento. O autor nos leva aos museus. Entro na pintura, em conceitos. Pondero com ele. Que tempo lento … Não viajo, não conheço o que desejaria conhecer. Vou pouco ao cinema. As leituras são demoradas. E há tanto para sentir, tanto para ver! Estou na Dinamarca, na Suécia. Sinto, vejo a neve. Como peixe, crustáceos. Sinto frio. Confio nas estradas. Vivo no campo. Também nas capitais. A leitura educa, modula, com vagar, o novo. O autor atravessa escritores, história. Abro outros livros ao seu comando. Volta ao tempo de ser criança, adolescente, e com ele vou para minha infância, entro na memória… Enquanto escrevo escuto o vento. Vontade de transcrever parágrafos inteiros. De criar intimidade. Que todos leiam, experimentem o prazer preenchido. Uma conversa com muitas vozes.
Estou a me autobiografar, lucidez vestida de azul. Abro a porta. Os fantasmas entram. Estão confortáveis. O fato? Não fui ao funeral de Geraldo. Não fui ao Rio de Janeiro acompanhar os filhos. Enterraram o pai, e eu não estava lá. Não sei se podem perdoar ou compreender. Não foi a distância geográfica que me impediu. Se estivesse na mesma cidade, também não iria. Não faria diferente. Abro a porta para a lembrança. Eu não estava lá. Acompanho Karl Ove Knausgård ao funeral do pai. E penso no meu pai. Na minha tia. Na minha mãe. Da mãe lembro. Seu rosto sereno, e belo. Não chorei. E esqueci o que aconteceu depois. Sua lembrança bloqueou todas as outras mortes. Grande e confortável vazio. A fantasia se espreguiça e me abraça.