“Não vivemos nossa vida sozinhos, mas isso não quer dizer que vejamos as pessoas com quem vivemos. Quando meu pai se mudou para o norte da Noruega e deixou de ser para mim uma pessoa física, com um corpo e uma voz, um temperamento, e um olhar, de certo modo ele sumiu da minha vida, no sentido de que foi reduzido a uma espécie de desconforto com o qual eu por vezes me defrontava, por exemplo quando ele me ligava ou alguma coisa me fazia pensar nele, uma espécie de campo em mim que podia ser ativado, e nesse campo estavam todos os sentimentos que eu tinha em relação a ele, mas não ele próprio. Tempos depois eu li nos cadernos de anotações dele a respeito do Natal que ele havia ligado das Ilha Canárias e das semanas que se seguiram. Nesses cadernos aparece como ele próprio, no meio da própria vida, e por isso essa leitura seja tão dolorosa para mim, porque ele não apenas ele é muito mais do que os sentimentos que eu tinha em relação a ele, mas infinitamente mais, uma pessoa viva e completa no meio da vida. ” (p.292)
Minha Luta, volume 4 – Uma temporada no Escuro de Karl Ove Knausgård
Ainda um trecho do livro, as anotações do pai de Karl Ove encontradas após a morte:
“Sábado 10 de janeiro. Dormi até tarde. Quebrei uma garrafa de xerez na cozinha. Passei a tarde na companhia de uma Smirnoff azul! Domingo 11 de janeiro. Quando acordei senti que o dia seria mais uma vez doloroso. E eu tinha razão! Segunda-feira 12 de janeiro. Dormi mal na noite de domingo para segunda. Fiquei me revirando na cama, ouvindo ’vozes’. Fui trabalhar. Comecei com uma aula de inglês. É difícil quando estou fora de forma. E ainda mais estressante com as aulas ao entardecer. Terça-feira 13 de janeiro. Mais uma noite em claro. Parece que o corpo não aceita ficar sem álcool. Fui trabalhar. ” (p.294)