Por que as coisas saem todas fora do lugar quando deveriam estar serenas em ordem e perfumadas. Basta pequena euforia, e pronto… Acelerada desordem atormenta. Inquietude improdutiva. O vento leva livro e a memória. E também minha alegria brejeira. A ventania uiva, varre o mundo, o dia. Estupefata eu me pergunto: sou ela ou eu?…, não quero fazer nada. Não quero pensar por uma hora, duas, por toda uma tarde e uma manhã inteira. Não quero mais pensar. Não quero fazer nada pensar nada. Essa pressa louca me atropela. Aonde está o meu nada? Elizabeth M.B. Mattos – março 2017 – Torres.
Descobrir teus textos e a pessoa que eles revelam, ver as tuas fotografias no face book assim como a minha decisão, talvez temerária, de me comunicar contigo através do presente comentário, configuram uma situação fora do comum na minha vida. E, certamente, na tua vida também. Trata-se de uma situação muito louca que me fascinou e cujo significado ainda não sei avaliar. Explico: fui loucamente apaixonado por ti na minha adolescência. Foi em Torres, no verão de 1957 ou 1958, acho. Nunca soube se uma declaração de amor que escrevi para ti foi entregue. Voltei para POA e descobri onde moravas (Rua Vitor Hugo, 229, até hoje sei de cor o número). Fui à tua casa sob o pretexto de fazer uma entrevista com tua irmã Suzana para o jornal do Rosário, colégio onde estuddava. Conheci teus pais e tua irmã Tânia. Lembro que na ocasião da entrevista estava presente o teatrólogo Ruggero Jacobi e teus pais questionaram a Suzana por ter aprontado alguma coisa, faltado a um ensaio ou coisa parecida. Arranjei pretextos para ir outras vezes na tua casa. Inclusive emprestei o romance Moby Dick para tua irmã Tânia. Fui buscar o livro no dia em que o Brasil ganhou pela primeira vez a Copa do Mundo. Tudo isso para tentar te ver e falar contigo, o que nunca aconteceu. Continuei apaixonado por ti anos a fio. Lembro que uma vez passaste guiando um carro durante um engarrafamento de trânsito na Independência. Eu estava na calçada e me olhaste como se tivesses me reconhecido. Anos depois tive notícias da família através do meu amigo Pérsio Bohrer. Na ocasião vocês estavam morando naquele edifício da Independência com a Ramiro. Com o correr dos anos a minha paixão pela tua beleza, pelo teu rosto, teus olhos esverdeados e o teu sorriso acabou passando. Amor platônico em estado puro. Agora, quando descobri teus textos, veio à minha cabeça o binômio arte-vida. Se és o que expressas nos teus escritos, imagino que deves ser uma pessoa maravilhosa, de uma cultura rara e de uma sensibilidade finíssima, uma alma de grande beleza…
E agora quero me apresentar: me chamo (José) Celso (Aquino) Marques, sou monge zen, pertencente à tradição Sotô Zen japonesa, professor aposentado de Filosofia do Colégio de Aplicação da UFRGS, escritor (mantenho um Diário desde 1965),jazzista, violonista e compositor de música popular, poeta bissexto, vinculado ao movimento da poesia concreta e ecologista. Milito na Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural desde 1972. Sucedi a José Lutzenberger na presidência da AGAPAN por três gestões e atualmente sou conselheiro da entidade. Tenho uma biblioteca de uns 8 mil volumes ou mais. Acho passei mais ou menos 1/4 da minha vida lendo. Atualmente trabalho no Instituto Cultural Buda Maitreya ( O Buda do futuro), voltado para o encontro entre o budismo e a cultura ocidental, e promovo a prática da meditação zen no ZENDO DIAMANTE, localizado na Rua Riachuelo 301 e 305. Tenho 72 anos, estou no segundo casamento, sou pai de um casal de filhos, tenho vários problemas de saúde, estou interessado em encontrar afinidades eletivas e não pretendo me apaixonar novamente. Acho que a ficha está quase completa. Tenho muita vontade de te conhecer e de saber o que estás pensando de tudo isso. Afinal, é uma loucura o que estou fazendo ? Por favor, me responda. C.M.
Acabo de ler teu comentário. O teu contato carta relato é incrível. Apresso os dedos para te escrever, mas estou sob o impacto. Seria muito bom te encontrar. Entrar na memória atravessar o espaço que separa pessoas que importam, e desapareceram … Não consigo lembrar. Vou ver se acho uma foto tua. Sim o amorasazuis.com me deu o passaporte. Posso estar com quem pode estar. Presente do meu neto João… Vou tentar te encontrar para conversar.
Não sei como entrar em contato. Conheces os Noronha que moravam numa paralela da Vitor Hugo? Acho que nos vimos sim … acho que lembro, mas não tenho certeza. Particular encontro! Mas a correspondência de afinidades importa sim.
Escrevi o comentário impulsivamente. Depois de tê-lo enviado, parei para pensar e me ocorreram vários questionamentos: – “Devo me expor assim, abrindo um capítulo da minha intimidade em um espaço público como o teu “amorasazuis?” – “Tenho o direito de invadir a tua intimidade encaminhando um “comentário” desta natureza a ti e para o conhecimento dos teus leitores ?” Respondeste “Não sei como entrar em contato.” Esta simples afirmação me coloca o seguinte pergunta: – “Devo responder tornando públicos para o mundo inteiro, o meu telefone, endereço,e-mail ?” Confesso que não gosto desta excessiva exposição da minha pessoa.
Não conheci os Noronha a que te referes. Terias outros meios de descobrir como me contatar ? Escreveste “Sim o amorasazuis.com me deu o passaporte.” Isso é o meu endereço de e-mail ? em caso afirmativo podemos combinar um encontro pessoal via e-mail. Entretanto acho que, independentemente de contatos pessoais via telefone ou e-mail, podemos e devemos nos comunicar no espaço público do teu amorasazuis, Afinal, nada tenho a esconder e tu também estás na mesma condição.
Estou lendo “Cartas perto do coração” (Editora Record, 2001), correspondência entre Fernando Sabino e Clarice Lispector. Termino com uma citação dela: “Ainda hoje de manhã, sentindo o cheiro da manhã gelada, pensei que cada um de nós oferece sua vida a uma impossibilidade. No entanto sentindo rodar em torno de mim as árvores que estremeciam em frígida graça me pareceu que a impossibilidade está mais perto de nossos dedos do que nós mesmos. Pois a realidade pertence a Deus. Pensei depois que temos um corpo e uma alma e um querer e os nossos filhos – e no entanto o que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.” (pág,151).
Tenho o livro, vou voltar a folhear. Eu me perco nas estantes, não encontrei. …. Responder é mais urgente. Tens razão quanto ao espaço público do Amoras. Deves conhecer um livro de Stefan Zweig que se chama “24 horas na vida de uma mulher” … Estava procurando uma citação para te mandar. Se não és quem eu imaginei poder ser, nada sei. Posso te perguntar como chegaste no AMORAS? Pelo Amoras ou pelo Facebook?
Foi pelo amorasazuis via google. Mas também te vi no Facebook no ano passado, lá por setembro, acho que num dia próximo â data do teu aniversário. Nesta ocasião comprei o livro do Chico Stockinger, do qual foste organizadora e vi que eras ligada em arte. Ontem me lembrei de ti, e como no Google tem quase tudo, resolvi digitar o teu nome e aí vi o teu amorasazuis. Fiquei encantado com a leitura dos teus textos. Admiro muito a pessoa e a obra do Chico Stockinger. Penso com fascinação, talvez quase com inveja, na repercussão do silêncio que a surdez impôs a ele. Adorei ver algumas fotografias tuas da época em que me apaixonei e dei razão à minha paixão: eras realmente linda. Este livro do Stefan Zweig eu não conheço. Li outros livros dele, As três paixões, e outros que não lembro os títulos, sem falar no Brasil país do futuro. Mas a simples menção do Zweig e de outros escritores que abordas nos teus textos, me dá a satisfação de constatar afinidades eletivas. Como eu, lês e leste autores que hoje ninguém mais conhece e lê: maravilha ! Procurando contato contigo falei hoje por telefone com uma velha amiga que leciona na ULBRA de Torres e mora em Porto Alegre. Trata-se da Paulina Nólibus. Mas ela me disse que não te conhece e achei melhor não revelar a ela nada do restante da história.
Quando escrevo eu penso melhor. Seguem algumas considerações na tentativa de entender a mim mesmo e as minhas motivações para entrar em contato contigo, depois de tantos anos, e o impacto deste contato na tua pessoa. Não tenho praticamente nenhum conhecimento da tua trajetória de vida. Tenho apenas impressões superficiais, principalmente estéticas e intelectuais do que li no amorasazuis. É pouco. Sei que muitas pessoas fazem gênero e criam personagens fictícias nos Facebooks e redes sociais. Consequentemente não sei se o que eu penso de ti a partir destas poucas fontes de informação e sem nenhum contato pessoal, corresponde realmente à pessoa que és. Por tuto isso não sei se estou sendo inconveniente e inoportuno, como um estranho que reconheço ser, caindo repentinamente de paraquedas no meio da tua vida privada e entrando na tua intimidade sem ser chamado. Partilhei contigo a minha paixão de adolescente que desconhecias. E, ao fazê-lo partilhei um aspecto íntimo da minha vida do qual fizeste parte à revelia e sem saber. Com isso, penetrei na tua intimidade. Pois a revelação de um amor costuma ser interpretada como a abertura para aceitação ou recusa de uma relação amorosa. O que não é o caso. Em princípio, acho que não tenho o direito de entrar na tua intimidade. Só posso adquirir este direito com o teu pleno consentimento, com teu assentimento explicito e claro, que pode ser suspenso a qualquer momento. Não quero criar problemas nem para ti nem para mim. Sobretudo não quero que esta tentativa de comunicação e de afinidades eletivas seja interpretada como sendo uma tentativa de sedução. Por estas razões acho que o espaço público do amorasazuis é um bom lugar para nos comunicarmos sem nada esconder, à vista de todos, quem sabe dando início a uma nova amizade…O que não exclui os contatos pessoais.
O amor é normalmente definido e compreendido como uma relação entre, no mínimo, duas pessoas. O meu caso contigo não chegou nem a ser um caso de amor não correspondido ou de ruptura. Foi o caso de um amor que não chegou nem sequer a ser uma relação, permanecendo sem a comunicação que poderia efetivar a relação. Somente há dois dias, depois de 50 anos, esta comunicação aconteceu. Chegou ao teu conhecimento a narrativa de uma paixão enlouquecida mas apenas lembrada. Para o senso comum um amor assim não foi, não é e nem será jamais um verdadeiro amor. Pois sempre faltou nele a tua participação. Mas eu acho que foi amor e, mais do que isso, foi um amor que adorei sentir por ser um amor sem sofrimento, um amor silencioso e à distância que se deleitava com o próprio sentimento do amor, Me apaixonei outras vezes e sofri o delicioso sofrimento da paixão. Mas foi completamente diferente. Eu acho muito bom estar apaixonado e a minha paixão por ti foi uma coisa muito boa enquanto durou, mesmo sem o teu conhecimento. Durou tempo, anos… E me parece que foi um acontecimento inaugural da minha adolescência que expressou e configurou a minha maneira de amar para o resto da minha vida e para os outros amores que tive. A minha lembrança deste amor juvenil é boa.e preciosa. Me preocupa o seguinte paradoxo: que ao comunicar a ti este amor, a pureza desta lembrança boa e preciosa entre na vala comum das relações e seja degradada pela dimensão inercial do conhecimento recíproco, da informação e da convivência. Pois é isso que quase sempre acontece com os amores.