“Sonhava com tarefas inacabadas, inacabáveis.”
Carmélio Cruz, óleo sobre tela, 1966 Torres
Estou de frente, na frente do mar outra vez. Posso ver a Ilha dos Lobos, areia, pedras, gente, cães, o gramado. Fico olhando… O mar muda de cor e de movimento e de conversa. Trepida esta vida miúda, a minha. Uma agitação de coisa boa me cerca. O apartamento novo tem uma sala ampla com janelões cheios de maresia. Outra vez perto do mar. Depois de tantas e infindáveis mudanças, talvez, esta nem seja a definitiva, mas gostaria de convidar todos os meus fantasmas para sentirem este cheiro, e brindar. Felicidade de alma. Não se explica. E tudo será do jeito que gosto. De quadros, o Iberê Camargo ficou na parede menor. Glauco Rodrigues trouxe Jandira, têmpera a ovo sobre madeira de 1951. Do Danúbio Gonçalves as aquarelas de mar e flores. Os retratos de Carmélio Cruz ficarão juntos, na galeria das mulheres. Os nanquins coloquei uns sobre os outros numa coluna, gosto de Darel e do Aldemir. E pensei no olho exterior, que assiste. Olha e vê outra coisa que não vejo. E do olho interior de cada quadro que segue na sua corrida do imaginário. O plástico (a arte) exerce o prazer desta interioridade exposta. A mesa retangular ficou encostada na outra parede para receber o meu material de trabalho, os vasos amontoados, também os castiçais, e duas fruteiras coloridas da Lattoog. Em cima, encostado, o autorretrato do Pedro Moog. As paredes são brancas, mas estão se colorindo… Duas Pantoche soltas no meio da sala. E, para a rede com franjas rendadas, consegui um bom lugar. Poucos móveis. Um sofá pequeno e na lateral aquelas mesas ninho tão do meu agrado. Coloquei tapetes mexicanos, coloridos, mas pesados. O pequeno persa na frente da cadeira com estofado de flores miudas. Gosto de andar descalça. O assoalho com lajotas vermelhas, me agrada. No quarto menor estantes nas duas paredes, e uma escada metálica que roda nos trilhos onde ela vai até o teto. Uma pequena mesa no centro, duas cadeiras. Uma luminária que vem ser moderna e vermelha. Elizabeth M. B. Mattos – março 2017 -Torres.
Glauco Rodrigues, Jandira têmpera a ovo sobre madeira, 1951.
“Certo dia, Simon Segal quis fazer meu retrato. Era um dia de inverno em que eu estava inteiramente sonhador. Sonhava com a vida que me fez – não sei por que! – filósofo. Sonhava com tarefas inacabadas, inacabáveis. Em suma, Segal me surpreendeu numa hora de melancolia. Mas aí está o testemunho de minha vida difícil. O pintor, estou certo, disse em sua linguagem uma das minhas verdades. ” (p.34) Gaston Bachelard, O Direito de Sonhar.
Acompanho-te, mesmo de longe. Gosto imenso deste texto, a descrição, mais afetiva do que objetiva, a delimitação dos contornos do espaço e, com isso, a ordenação dos afetos…