A vida quando chega viva lá de dentro da pessoa transborda… Trovões e raios. Tanta água! E depois tanto sol! Tudo ao mesmo tempo, e, já não sabemos se é bom, ou se é ruim, bonito ou assustador. Tudo ao mesmo tempo. Na areia ou em alto mar? Estranho viver engasgando… E bem que desejaria apenas me embalar tranquila, e sorrir, depois chorar. Viver não sobreviver. Não agarrar, mas solta, livre, e, sem me machucar. A liberdade parece, assustadoramente, perigosa e solitária. Por que estou nesta confusão toda? Elizabeth M.B. Mattos – março de 2017 – Torres
Me assusta é ter o medo de ser livre , embora ninguém tenha esta liberdade incondicional .
Mas uma liberdade natural e conquistada por nos durante o transcorrer do tempo sempre será bem vinda e bem vivida.
O medo do medo, paraliza, mau caminho!
A liberdade completa é solitária, ou melhor, ter consciência de sermos nós mesmos é solitário, ser absolutamente livre é perigoso, mas como já disse o poeta viver é perigoso … estamos em alto mar … qualquer coisa pode acontecer, e, às vezes pode dar medo … mas o que importa é viver … a liberdade, na verdade, é interna, pessoal, nossa, incomunicável …não é?
No texto intitulado “Perigoso e solitário” expressas teus sentimentos em relação ao binômio perigo-e-solidão. Escreveste “A vida quando chega viva lá de dentro da pessoa transborda”. (…) “Tudo ao mesmo tempo, e já não sabemos se é bom ou é ruim, bonito ou assustador.” (…) “A liberdade me parece assustadoramente perigosa e solitária. Porque estou nesta confusão toda ?”
Não estás sozinha. Sinto responsabilidade pelo que está acontecendo. E considero que a minha experiência de vida e, sobretudo, a intensidade das minhas vivências dos últimos dias, podem ajudar um pouco a dissipar a confusão e a criar serenidade e confiança. Pois o sentimento de solidão e de confusão também tem acontecido comigo. Tenho vivido intensamente os paradoxos de uma confusão semelhante desde que escrevi para ti pela primeira vez e respondeste. Na minha confusão entram múltiplos aspectos, emocionais, afetivos e intelectuais constitutivos da conjuntura de vida que estou vivendo neste momento. Estes aspectos dizem respeito aos encaminhamentos do meu projeto de vida atual: criar um espaço institucional para a expressão da minha vocação filosófico-religiosa de monge zen. Para tanto, tenho que mobilizar os meus talentos e habilidades na música, poesia, filosofia, escrita, ensino. Necessitaria de muito mais tempo e arte para expressar o que está acontecendo comigo depois que nos comunicamos nos amorasazuis. Acho que isso deve ser feito através de contato pessoal.
A esta altura dos acontecimentos, suponho que, no mínimo, deves suspeitar da semelhança entre o que está acontecendo contigo e comigo. Gostaria de responder às tuas perguntas, mas estou sem tempo e cansado demais, depois de várias noites de trabalho e insônia. Sinto tuas perguntas como sendo dirigidas particularmente a mim. Mas como elas estão postadas também para outras pessoas, amigas, conhecidas ou desconhecidas, esta dimensão pública afeta a minha capacidade de expressão e me constrange. Por outro lado, paradoxalmente, gosto das limitações que esta condição impõe. Algo parecido aos desafios de compor uma música ou um texto de encomenda. Uma contenção que me obriga a um rigor no pensamento e na expressão. No entanto sinto que precisaremos nos conhecer pessoalmente com urgência, Não podemos permanecer por muito mais tempo nos conhecendo apenas por carta ou através apenas de literatura.
O fato é que tenho vivido uma experiência emocional de uma complexidade e de uma sutileza inimagináveis. Algo de uma profundidade abismal, de uma riqueza de sentido que reverbera nos recantos mais inesperados da minha relação com a Vida. Minha mente de filósofo, intelectualizada ao extremo, se abriu para os sentimentos de uma maneira absolutamente nova e surpreendente. O aspecto que mais me afetou desta abertura foi a descoberta e a reavaliação da afetividade como dimensão que transcende a compreensão constituída apenas pela racionalidade e o sentido. Mais: que explicações e racionalizações são tentativas de controlar as emoções e sentimentos. Percebi que esta descoberta se consolidou imediata e definitivamente no contexto das pessoas que praticam o zen comigo, entre meus amigos ecologistas e na relação com a minha família. Vi com clareza nos últimos dias que a descoberta de afinidades eletivas, intuídas há meio século pela simples visão da beleza de um rosto maravilhosamente lindo, revolucionou o meu pensamento ético e político por dentro, através da descoberta de uma intimidade comigo mesmo. Conversando com meus amigos budistas e ecologistas nos últimos dias, constatei que a implosão da afetividade, desencadeada pela tentativa de retomar o contato com uma paixão da adolescência, ocorrida há meio século, é portadora de uma sinergia maravilhosa, capaz de integrar a experiência da realidade imediata como superação do ego, do poder e da racionalidade que o legitima como opressão. Aí eu me pergunto: “será que isso significa que estou apaixonado de novo ?” “O que está acontecendo comigo ?” “Estou namorando ou querendo namorar ?” “Mas eu não sei quase nada a respeito dela, nem sua história de vida, nem o seu estado civil, não é uma loucura tudo isso ?”
Minha confusão levou à tomada de consciência radical das limitações e ilusões que o medo de amar e a busca de segurança impõem ao horizonte de sentido das nossas vidas. Acho que é necessário desacomodarmos nossas relações conosco mesmos e com as pessoas com quem convivemos e amamos. Para tanto é indispensável descobrir e aprender a fazer o uso crítico dos nossos sentimentos e afetos. E não apenas da razão. Urge examinarmos afetivamente nossos objetivos, projetos, rotinas, hábitos e ambientes.
Quero ser teu amigo. Mas acho que precisaremos reunir muita coragem para nos encontrarmos. Só assim o medo que estou sentindo vai passar. Pois é impossível saber e prever o que pode acontecer. No entanto, qualquer coisa que venha a acontecer será a realidade, será a verdade, será o bem. Se “o que importa é viver”, como escreveste, então não há problema nem solução. Escreveste: “Estranho viver engasgando.” Temos que aprender a lição de parar e não beber o vinho impacientemente, sem sentir o seu gosto e aroma: “Retrougût”. São cinco horas da manhã e acho que consegui dizer apenas algo do que eu gostaria de dizer.