Obsessiva nas arrumações. Dispersiva memória a flutuar sobre isso ou aquilo. Memória de lembrança. Anistia de tempo. Olho no passado. Alguns recortes. Leio jornais. Não, não sou eu a encontrar citação: a citação me atropela / insiste em se apresentar esparramada, impertinente. Livros invasores a me perseguir. Descabidos, arrogantes e histéricos. Ou seriam esquizofrênicos? “Nikki, quais são suas primeiras palavras? Diga para mim. O quarto de criança que ela voltou num extremo está o quarto de criança; no outro, Paris – o primeiro, um lugar impossível de reaver, o segundo, impossível de controlar. Ela foge da Rússia para se esquivar a fim de se esquivar das consequências do seu casamento desastroso; ela foge de Paris a fim de deixar para trás o romance desastroso. Uma mulher em fuga da desordem. Em fuga da desordem. Em fuga da desordem Nikoleta. Mas ela carrega a desordem consigo – ela é a desordem? Eu era a desordem. Eu sou a desordem” [1]
Mágica a cada página em branco. A estória verdadeira atrapalha pesa, e assim mesmo não me devora, então invento outra para disfarçar. Esquecimento na caminhada matutina a dar voltas, e voltas, voltas ao redor de mim mesma até ficar, levemente, tonta. Sento no banco da praça a lembrar que não sou Nikki, nem Philip Roth, e que tudo o que faço/ produzo é o/um ensaio exaustivo de ser eu, … eu mesma eu mesma, a mesma, desaba nesta aba de roseiras. Atravesso o incrível deserto: a memória.
Quanto tempo fiquei a pensar naquela tatuagem, … estico o braço e vejo carretel fio e aquela audácia festiva. Paris ficou em Paris atravessei apressada preocupa pegando o trem para Limoges. E estava, assim mesmo, em Paris no verão daquele julho esquisito. Inteiro e meu. Penso nos gatos que ficaram a entrar e sair pela basculante, talvez não me esperem. Aliás, ninguém espera por ninguém: apressado viver antropofágico/ mágico.
Pensei encontrar biblioteca e livros cheios de remissivos. Tracei a pesquisa no mapa de quarenta dias. A pintura autobiográfica numa biografia escrita. Desenrolar os carretéis de Iberê Camargo, e pelo fio desenhar um autorretrato possível também meu: penso estratégia. Volto para Henry Miller penso Anaïs Ninn.
Cheguei a Domme. Entrei no Hôtel L’ Oustal de Vézac no meio do vale, com um castelo em cada ponto cardinal. Um sobre Feyrac, Beynac, Marqueyssac e Castelnaud.
Preciso chegar a Rocamadour. Não posso esquecer Rocamadour. E todas as referências se misturavam, atravessam as páginas lidas, e todas as que adivinhei sonâmbula. E.M.B. Mattos – abril – 2018 – Torres
[1] Philip Roth – O Teatro de Sabbath – Companhia das Letras – tradução de Rubens Figueiredo (p.235)