sem vontade …

…, desanimo quer dizer sem vontade sem alegria sem palavra. Amontoado de velhas desgastadas inúteis tentativas.

Hoje me deu tristeza, sofri três tipos de medo acrescidos de fato irreversível: não sou mais jovem.” Adélia Prado –  fragmento de Dolores

Hoje me deu tristeza por não saber o que dizer. Hoje senti tristeza porque não estás comigo. Não estarás amanhã, nem depois de amanhã.  Senti tristeza porque tropecei nas letras. Derramei o leite, deixei cair o pão. Esqueci a manteiga. Não abri a janela. Desânimo quer dizer sem vontade. Elizabeth Mattos – maio de 2018 – ainda Torres

medo

Cálida noite quase estrelas. Terra úmida abastecida. Preenchida. Posso caminhar, ou desistir. Olhar para trás, fechar os olhos. Mergulho na tua voz. Mergulho no ontem. Agarro a palavra. Respiro. E. Mattos – 2018

 

Gosto de …

Caipira com pouco, pouquíssimo, açúcar terminando a manhã.

Almoço com salada verde e carreteiro feito por mim.

No fim do dia, uísque sem gelo, apenas lua.

Anoitece escuro. Ponto de luz no céu.

Elizabeth M.B. Mattos – maio 2018

 

Das cartas que contam história:

longasssss cartasssss integralllllll

 

relampejam estrelas Simone

A noite é tempestuosa; os ramos dos castanheiros agitam – se, e eles relampejam estrelas.[…] As histórias que perseguem as pessoas até seus quartos de dormir são difíceis. Não consigo prosseguir com esta história. Ponho – me a retorcer um pedaço de barbante; reviro quatro ou cinco moedas no bolso de minha calça.

— As histórias  de Bernard me divertem no começo — disse Neville. –Mas, quando disparam absurdamente e ele tenta tomar fôlego, retorcendo um barbante entre os dedos sinto minha própria solidão. Ele vê todos os seres como imagens com contornos imprecisos. Por isso, com ele não posso falar de Percival. Não posso expor à simpatia de sua compreensão minha absurda e violenta paixão. Isso também constituiria uma ‘história’. Preciso de alguém cuja mente caia como um machado sobre o bloco de madeira; que julgue sublime esse absurdo e adorável o laço do cordão de um sapato. A quem expor a urgência de minha paixão?” (p.39)

Simone: lê mais este trecho que seria meu se assim pudesse ser o meu escrever.

Daqui  a oito dias sairei do trem e ficarei parada na plataforma às seis e vinte e cinco. Então minha liberdade desabrochará, e todas as restrições que a enrugam e encolhem — horários, ordem, disciplina, e estar aqui e ali na hora exata — tudo isso se esfacelará. O dia explodirá, quando eu abrir a porta e vir meu pai com seu velho chapéu e suas perneiras. Vou tremer. Vou romper em pranto. Depois, na manhã seguinte, vou levantar ao amanhecer. Sairei pela porta da cozinha. Andarei pelo pântano.” (p.41)

” Quero dar, quero receber, quero solidão onde possa desdobrar em paz tudo o que possuo. […]  Alimentarei meus pombos e meu esquilo. irei ao canil escovar meu spaniel. Assim, aos poucos, afastarei essa coisa dura que cresceu em meu coração.” (p.42)  Virginia Woolf – As ondas – tradução de Lya Luft – Editora Nova Fronteira, 1980 – Coleção Grandes Romances

Como não posso me identificar? Sim, navego e vomito textos que estão amontoados  misturados. Indigestas leituras, e saboreio aos pedacinhos/ golinhos as que mais identificam  o sentimento, o meu. Respiro e sinto algumas leituras como minhas. Escrever e ler são oficios que se assemelham. Obrigada Simone por trazer de volta AS ONDAS de Virgínia Woolf . Uma onda que a Lya Luft mergulhou. Elizabeth M.B.Mattos

tensão

Tensionar é a palavra.  O ponto, outra palavra que me intriga bastante.

Segundo Aurélio: tensão [do latim tensione] s. f. 1. Qualidade ou estado do que é tenso. 2. Rigidez em certas partes do organismo. 3. Grande aplicação ou concentração física ou mental.

Voltei para a cozinha enquanto José abria o vinho. Tinha uma maneira lenta mansa para fazer as coisas. Controlo minha  agitação, normal, mas quase sempre inquietante para outras pessoas.  Penso: recordar e captar não são jamais outra coisa senão o Eu a lembrar dele mesmo. Conhecer e reconhecer. Alimento a memória: proteção contra a felicidade e desdita, proteção contra o insuportável. Derradeira saudade, saudade de tamanha força que vibra fisicamente. É saudade corpórea, inextinguível. Talvez incompreensível. Estar comigo outra vez, e eu comigo mesma… Outro tempo. Olhei para José quieto, olhando o mar, e mais nada. Estás cansado? perguntei. Ele respondeu: Não. Surpreendido. Estupefato. Ainda não compreendi porque me dispus a te seguir assim … O flautista! Lembras desta história? Incrível! Sempre quis conhecer a original? Nos contos infantis as verdadeiras histórias. Acho que estou com fome. E tu?

Invento pessoas e depois não sei o que fazer. Fico necessitada do sonho e percorro o onírico como sonâmbula. Não é estranho? Eu me proponho a inventar e apagar o real. Remexer nas cinzas para recriar não o futuro, mas o passado, recheando com tudo o que poderia ter sido ficção. A neutralidade se confunde com a a indiferença. Indiferença é omissão. De repente não estou com a pessoa certa no momento certo. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2018

sentido de sentir

Dia sem sentido, sentido de sentir. Um nada. O eco amigo de um amigo me acorda da sonolência de dia inteiro, e eu volto para dentro de mim.

Reagir. Não há sono nem quietude que resolva. Sequer uma voz. Nada. O estranho do sentimento é que pipoca de um lado para outro inquieto a espera do aceno para mudar. Está certa Simone quando explicita que sofremos mais por não ter quem amar do que não ser amado. Sinto saudade de um amigo em especial. Paulo Hecker Filho. Quando decidimos nos corresponder dado o meu intenso interesse por missivas começamos a nos escrever mesmo morando ambos em Porto Alegre. Muitas vezes ele foi numa caminhada (da Cidade Baixa até a Independência) postar a carta na CAIXA de CORRESPONDÊNCIA do meu edifício. Antônio Carlos Resende, amigo comum, nos desafiava a um cafezinho. Não aconteceu. Nesta minha dispersiva arrumação e sonolência, resolvo alimentar o Amoras -, não posso negligenciar. E.M.B. Mattos – maio de 2018 – não exatamente bem. Triste, sem um pedaço. Um dia não muito bom, mas apenas mais um dia. Logo tudo fica com cheiro de terra molhada, prazer e carne de panela. Vinho. E sou outra vez feliz.

Releio uma carta de 1999 de Paulo Hecker Filho: o sentimento, digo /eu explico depois:

“ P.Alegre, 24 de junho de 1999.

Beth:

Que carta. Tão comprida como fluente e às vezes muito bem escrita. Eis – te escritora, e há horas. Só falta um tema que galvanize os parágrafos. Apressada, queres ficar falando logo ao terapeuta. E com esta fluência, aposto que será esse a pedir alta.

O conto está bem, mas sem conflito, drama, mais crônica, e é um lugar comum no Rio a vista do Corcovado. O Cristo inclusive foi posto no alto daquele morro para ser visto praticamente de toda a cidade.

Gosto de Torres e provavelmente ainda mais fora da temporada. Mas é calma demais para dialogar com a tua trepidação (o terapeuta diria dependência). Ao mesmo tempo serve para te acalmar, joga nessa carta, tira paz torrense, não veleidades de se mandar de vez. Esta paz estabiliza. Sem ela, de onde tirar a energia para uma carta de treze páginas? […]  

Aposta nessa outra carta: Beth é que é feliz. E não? Bonita, vivida, capaz de escrever e até da coragem de pensar em deixar de pintar o cabelo um dia. E bem que nunca o farás porque para louco baste eu. Paulo

1 de maio de 2018 PAULOHECKER FILHO

A explicação: devo ao Paulo ao Oswaldo ao Fernando ao José ao Gustavo. Ao Gustavo! Ao Dado, ao  Luís  Carlos Carpim. Iberê  Camargo. Ao Zé Maria, ao Celso e tanto e muito ao Paulo Sérgio. Ao Francisco e nosso dia de ser criança, e ao tempo. Ao Geraldo, a Magda, a minha amiga Luiza. Ao Antônio ao André, os amigos encontrados e aos desencontrados um trabalho sério. Ao Flávio também. Será que o Flávio quer explicações? Acho que não.