e namorar

“A passagem do tempo exaspera e condensa qualquer tormenta, embora no princípio não houvesse uma só nuvem minúscula no horizonte. Não sabemos o que o tempo fará de nós com suas camadas finas que se super – põem indistintas, em que é capaz de nos transformar.”(p.266)

Este tempo que Javier  Marías descreve passando eu sinto / toco / invoco desde sempre. Como criança/menina tardes infindáveis monótonas entre bonecas e o nada. Jovem/ moça a nostalgia de ser criança sem nada fazer eu me pensava/ imaginava  independente / livre. Surpreendentemente, mulher,  já era mãe, e sendo mãe, – já estou blindada, impossibilitada de avançar / voltear / recomeçar ou refazer. Não me permito, não te permites. Então, não estou / não faço / não vejo. Imagino. Invento. Escondo, depois eu te conto…

“Não sabemos o que o tempo fará de nós  […]. Avança discretamente, dia a dia e hora a hora e passo a passo envenenado, não se faz notar em seu sub – reptício labor, tão respeitoso e comedido que nunca nos dá um tranco nem um sobressalto.  Toda manhã aparece com seu semblante tranquilizador e invariável, e nos assevera o contrário do que está acontecendo: que está tudo bem e nada mudou, que tudo é como ontem – o equilíbrio de forças -, que nada se ganha e nada se perde, que nosso rosto é o mesmo e também nosso cabelo e nosso contorno, que quem nos odiava continua nos odiando, e quem  nos amava continua nos amando. E, de fato, é o exato contrário, só que nos permite avistá lo com seus traiçoeiros minutos  e seus enganadores segundos, até que chega um dia estranho, impensável, em que nada é como sempre foi: […] ” (p.266-267) Javier Marías  Os enamoramentos

Tudo tão menor, tão apertado, desolado! E agora? Como vai ser amanhã? Igual. Vou fazer café. Arrumar as camas. Ler jornais. Pensar no almoço. Acertar as contas.  Podar os galhos, colher flores e frutos.

Todas as vozes do mundo atropeladas, pausadas. Histórias risonhas,  chorosas.  E algumas tão silenciosas! Sonhos dobrados se esticam preguiçosos. Sonhados, abertos como lençóis perfumados. Arrumo as roupas extraviadas/achadas, dobro, estico. Lavo as xícaras, dois pratos, os copos preguiçosos que esperam, desmaiado ânimo. E, num desavisado momento, o espelho. Nada mais como antes. E  posso não escolher o presidente, não votar (que angústia!), nenhum político para olhar este lugar de mar e beleza e sol e tanta chuva. O tempo se arrasta. Envelheço mansa e quieta. Ou agitada. Mulher mãe avó tia irmã. Amiga rabugenta. Ansiosa, inquieta , e aqueles sentimentos todos de plenitude e completitude e enamoramento escorregam. Fico fechada nas páginas de outro livro enquanto penso Valentina João Lucas José Antônio Celso Geraldo Ana Maria Cristina Marina Guilherme Laura Jorge  Roberto Anita Tânia Suzana André Joana Luiza Lucia de luz, e Luisa e Pedro Stella Eduardo Ricardo e prima e primo, irmão e irmã, mãe e pai e tio e tia: madrinha e mar.

“Enamoramento pode suplantar o amor […]  O que é muito raro é sentir um fraco, verdadeiro fraco por alguém, que esse alguém produza em nós essa fraqueza, que nos torne fracos.”

E a vida fica / ou se explica neste enamoramento inexplicável. Nestas conexões equivocadas. Nestes blindados conceitos do que é certo ou errado porque a vida assim o determinou, e porque podemos ser apenas uma pessoa. Não posso deixar de ser eu para ser você ou nós. Uma vida, não tantas, …mas, eu acho/penso/imagino que não temos apenas um amor azul. Também temos os verdes os castanhos.  O limite. Somos apenas um. Ser muitos não podemos, há um círculo. Não podemos sair dele. Ou eu posso? Ser criança e mãe e moça e estudante e artista e operária. Não posso. Não ao mesmo tempo. Quero sair do borralho, dormir no sótão, conhecer o porão e dançar no baile com o príncipe. Claro, deixar um sapato de cristal  ao descer as escadas do palácio. E depois, rolar, rolar no gramado, sentir o sol, e o sal. Fazer amor no teu amor. Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2018 – Torres

desordem mesa preta tudo

Consegui escutar o mar: o silêncio da noite o trouxe para perto.

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