“Para você, o estilo é a vida. O estilo, para você, é a voz. É sua maneira de pensar. Sua verdadeira personalidade, que se manifesta pelo estilo – e não é apenas uma, mas duas, até três -.”
“E quem são elas?”
“A primeira voz é que você chama de ‘meu eu simples’, a voz que usa com qualquer pessoa, sentado à mesa ao final de um jantar em família, […] trocando gracejos entre nuvens de fumaça; é a ele que você deve tantos pormenores sobre a vida cotidiana. A segunda pertence ao homem que você gostaria de ser, a máscara que toma empréstimo às pessoas que mais admira: as pessoas que jamais encontraram a paz neste mundo e vivem num universo à parte, à luz difusa de sua magia. Você escreveu – e eu li, com lágrimas a me escorrer pelas faces – que, se não fosse hábito de conversar aos sussurros como esse ‘herói’, que no início você apenas imitava mas em quem mais tarde desejaria se transformar, que se ele não o estimulasse, não o atiçasse, não o aplacasse com os enigmas, os jogos de palavras, as repreensões que está sempre soprando em seu ouvido, com a obstinação dos velhos senis que repetem sem parar os mesmos refrões de que não conseguem se livrar, você seria incapaz de suportar a vida cotidiana como tantos outros infelizes da terra, recolhendo – se a algum canto obscuro para esperar a morte. […] como você já declarou, que os dois primeiros são, respectivamente, seu ‘estilo objetivo’ e seu ‘ estilo subjetivo’. Mas é terceira vez que você qualifica de ‘ personalidade sombria’ ou de ‘estilo sombrio’ que nos transporta – tanto a você quanto aos leitores […] Como você pode ver, nós vamos nos descobrir, e havemos de nos entender perfeitamente;sairemos juntos pela noite disfarçados, você e eu. Dê – me seu endereço.” (p.405-406) Orthan Pamuk – O Livro Negro