outra vez Susan Sotang: constrangida

Ana e os meninos

A trajetória da vida humana deveria ser mais física na primeira parte e mais contemplativa na segunda. Mas a gente deve se lembrar que essa opção raramente está disponível e é muito pouco apoiada na sociedade. E também é preciso dizer que muitas de nossas ideias sobre o que podemos fazer em idades  diferentes e sobre o que a idade significa são muito arbitrárias – tão arbitrárias quanto os esterótipos sexuais. Acho que a polarização juventude-velhice e a polarização masculino-feminino sejam os dois principais esterótipos que aprisionam as pessoas.  Os valores associados à juventude e à masculinidade são considerados as normas humanas, e todo o resto é tido no mínimo como menos vantajoso ou inferior. Pessoas idosas têm um senso de inferioridade terrível. Elas se sentem constrangidas por serem velhas. O que você pode fazer quando é jovem e o que pode fazer quando é velha é tão arbitrário e sem muita base quanto o que pode fazer se é mulher ou o que pode fazer se é homem.” (p.28) Suzan Sotang – Entrevista completa para a Revista Rolling Stone

E a gente fica a pensar nestas coisas todas porque, afinal, pensar pode ser uma coisa boa para explicar a vida. Ou a gente escolhe uma vida cheia de vida, com cães, gatos e todos os animais que nos ensinam a fazer isso e aquilo. Ou a gente conversa, ou num monólogo a pessoa se repete e vai se explicando ou dizendo o que nunca pode dizer porque as falas nem sempre se misturam, mas se chocam. Por que me apaixonei súbito por F.T. – importa? Talvez por ele estar ali sentado naquele momento de aflição a se fazer presente junto a Iberê Camargo que morria…, ou porque me olhou e sorriu. E disse que estava procurando uma casa em Torres (todos adoram isso de morar beira mar ou no lugar das férias e ou da juventude, perto de sol), ou porque nunca entendeu como o Iberê e eu podíamos ser amigos, ou porque eu olhei nos olhos dele e sorri. Tinhas olhos azuis e era tão magro que até podia não ser/não existir. Um risco. A natureza dele sempre foi ser magro, magérrimo. E eu me apaixonei pelo Flávio. E eu estava ali junto a Iberê naquele dia. Éramos muitos. Por que me apaixonei outra vez por um estranho? Porque ele me contou as aventuras juvenis que viveu e, sei lá. Porque me disse que eu importava. E derramou fantasia erótica. E eu quis ser menina outra vez. Por que Gustavo morreu de repente sem que ao menos eu entendesse se era amor ou… Que não era nada, nem muito, apenas um encontro de dois setentões acreditando… Pois é estranho tudo isso de se apaixonar, de pensar, de se entregar. Ou dizer não quando deveria ter sido sim. Ou de se expor e querer tanto! Não é mais o tempo de querer como diz/explica Susan Sotang na entrevista. Envelhecer deve ser meditar/polemizar e pensar, pensar e pensar ou embalar netos, embalar doçuras, nunca querer sexo. Será assim, envelhecer? Envelhecer deve ser estender a mão e ter amigas. Beber chá, ou limpar a casa. Aquietar. Embalar os netos: perfeito. Colher margaridas, não / nunca se despir ou inspirar ou dizer / ou imaginar/ ou olhar para os lados. Envelhecer… Ah! Quando somos jovens vamos em frente, e nos jogamos no rio para atravessar a nado a correnteza. E temos certeza de conseguir. Pois é. A cada amor uma certeza absoluta.  E agora se eu espero, não faz sentido, apenas esperar porque tudo o que te rodeia já é mesmo um amontoado razoável de vida. E devo me acomodar no meu mundo de violetas e livros., com as margaridas. Ah! OK. Estou, levemente, deprimida: não podemos nos ver, tomar café juntos nem rir. Depois, eu penso: nem vais imaginar ou querer me ver, envelheço, vertiginosamente, enruga – se  a pele. Tenho vínculos, (risos) sulcos. Sim. Temos a vantagem do escuro. O escuro reduz o olhar. Estás rindo? Apenas tu sabes que te escrevo diariamente, e sem respostas… Elizabeth M.B. Mattos –  2020 – Torres

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Carta escrita  no dia 09 de novembro  – Ana Maria foi para Porto Alegre. A barriga linda nos seus sete meses, com o meu neto, o João. Estou emocionada ao vê-la nesta beleza  a transbordar… Os cabelos crespos espalhados pelos ombros, olhos esverdeados maiores do que já são; rosto marcado pela intensidade necessária da expectativa. Tudo nela, definitivamente, transborda. A boca entreabre na fala, todo o corpo é amanhã. Tenho vontade de chorar quando penso o que penso. O mundo continua e a a rede se faz lenta e mágica. Não pode ser diferente. Não posso parar para reter tudo como está acontecendo agora: pura limpidez e graça: felicidade. Enfim, lá foi ela encontrar – se com a irmã: tranquila, amorosa. Estão felizes eles os dois, o casal. Agostinho chegou em casa depois de uma semana de plantão e o abraço era de pura ternura e alegria. Vê -los  sentir a paz. Uma sensação de quietude prazerosa. Que perfeição podem ser momentos como este! […] É bom estar assim mergulhada na maternidade. Os filhos esteio: força interna que nos faz ser homens (seres) num mundo de vulgaridade em que as pessoas se escondem em cavernas… Estou sendo incisiva? É que perdidos os valores esbarramos nas aparências: beleza, dinheiro e poder. Estes fazem mesmo a máquina girar. Suponho que perdemos as referências interiores, perdemos a individualidade…, ou a necessidade dela. Agostinho e Ana Maria estão na mesma aventura: filhos. O espetáculo importante, não apenas a vida; precisamos representar…, ou nem existimos. Há que haver a manchete, a televisão, as vozes e o microfone, e o palco. Pobres daqueles pequenos…, lamento o homem que vive debaixo dos holofotes e esconde a sua essência na caverna. Mas a emoção da gravidez é a semente. Rejubilo. Acredito que o mundo pode se renovar e tenho prazer, muito/tanto prazer! Expectativa. Estou, como eles, feliz.  Elizabeth M.B. Mattos – 1999 – Torres

Curiosa correspondência que vou encontrando aos pedaços. Sempre atraída por este colorido das cartas. E estás na outra ponta. Como eu gosto de te pensar! És o hoje.

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