Panquecas amorosas: guisado e ricota, depois chocolate… Posso ser mais feliz? Combinação de prazer com prazer… Agradecer, sei lá, para quem vou agradecer? Cozinho bem e o vinho veio perfeito, e a vida me pertence. toda esta semana será de pontos magníficos… Viva Torres! Viva o poder de ser… Beth Mattos
Mês: maio 2020
de saudade
“Havia nele o viajante, o homem mordido pela nostalgia da distância, era fascinado pelo Expresso Transiberiano, na sua boca, Vladivostok era um nome sagrado, e depois havia também nele o outro, aquele que a saudade consumia, “é como ter sede” costumava dizer, “quando a saudade me assalta, é como uma sede insuportável […]” p.277 Pascal Mercier TREM NOTURNO PARA LISBOA
ácido
Difícil entender, vou abotoando o frio, mas eu me sinto, assim mesmo, desconfortável. Talvez a solidão seja um ácido, não constrói, devasta. Extermina.
Outro mundo, outra pessoa, outro, outra, muitos, muitas. Cuidado! Acho que o domingo se desmanchou…Beth Mattos
por um minuto
Somos únicos, sozinhos, assim mesmo queremos/buscamos nossa metade: o outro, a identificação, tão difícil! Quando encontramos o nosso alguém, que felicidade! Mesmo que seja por um minuto, vale…Beth Mattos – maio de 2020 – Torres
gincana abusiva
Envelhecer e suas curiosidades: gincana todas as manhãs, todas as tardes, o dia inteiro, e algumas noites. Saio caminhando pela calçada distraída, ou termino o café. Agarro o troféu. Lavo a louça. Recomeço a busca, volto a caça… Noutros tempos a gincana era/foi divertida, em equipe, com risadas e correrias. Agora? Nem tanto. Eu comigo vencer etapas, cheia de paciência! Uauuuu, não desistir. Beth Mattos
“[…] a vida que se leva, e que leva a gente, não nos interessa muito, não intimamente. Mas todo homem sabe disso quando é jovem.[…] Tudo fora ainda uma vez magnífico, e contudo, naquele anseio fervente havia um doloroso pressentimento de cativeiro; uma sensação inquietante: tudo que penso alcançar me alcança; estou corroído por uma suspeita de que neste mundo as manifestações falsas, levianas e impessoais ecoam mais intensamente do que as íntimas e essenciais.” (p.95) Robert Musil o Homem sem qualidades
Nesta gincana particular, tudo conquistado. Um espaço só meu, e tão meu! Sou prisioneira de todas as surpresas… Ganho, penosamente, o pequeno troféu de todas as longas e duras gincanas. Bom! Bem! Ainda viva! Os músculos da memória se exercitam e a paciência também. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2020 – Torres
olhos bem abertos

Amanheceu fresco depois daquele calor de quarenta graus que não
acontecia há vinte anos.
Na casa sinto-me bem. Desliguei o telefone com vagar. Guardei os óculos. Bati a porta e sai.
Carreguei a sacola: dois lápis, (o) bloco, três livros de poemas, não que eu gostasse de poemas. Levava poemas por decidir que não mais leria revistas, jornais, romances, (olhares?!) ou contos. Leria hoje poemas. Na outra abertura da (mala-) sacola coloquei uma saia frouxa, duas calcinhas, nenhum soutien; peguei uma toalha, pequena, a escova de dente, pasta e fio dental, uma calça quadriculada, duas camisetas, um casaco curto, quente. A manta de cobrir e o travesseiro.
Olhei a casa outra vez, (pela última?). E pela (através) do vidro da porta (porta de vidro janela grande, aquela porta-janela maior) que se esparramava nas dobras pela sacada larga. Ah! Não entendi o que exatamente se esparrama! O gramado?) Bonito aquilo. Olhei, olhos abertos para ver,
olhei e vi o verde inteiro. A piscina, as cadeiras brancas volteando as duas mesas, canteiros.
Bonito aquilo, O jardim quintal de uma casa (Estava) nos altos de Porto Alegre, Zona Sul. A rede que se (prendia) estendida nos ganchos atravessava um espaço largo, e (naquela) na corda espichada eu vi a roupa da casa, (de ninguém? ou) podia ser), uma peça de cada um, calça de pijama, cuecas, camisa, um vestido leve de cigana, uma toalha quadriculada. Roupa em varal conta história.
Olhei para a mesa redonda, a máquina de escrever pequena, papéis, livros
empilhados e comecei a rir. Riso frouxo. Todos tinham morrido de rir! Em que sentido? Tão rápido! Ri bem alto até as lágrimas escorrerem e se misturarem com a histeria da euforia. E (então eu) vi por entre as árvores (eu vi) o mar, o meu mar: que estava lá, trazendo o cheiro e o sal, o gosto e o frescor. Parecia distante.
Não. Estava perto, e me pertencia. Eu tinha o/um mar, sempre estive dentro do mar e o mar dentro de mim. Descansei o olhar. As duas mãos moveram-se
e segurei sacola, bolsa, travesseiro e coberta. Dei as costas, desci a escada e bati a porta, é do início / já tinha batido a porta, depois do telefonema.
Os cães latiram, e se sacudiram festejando. Tranquei o portão, joguei
a chave na caixa de correspondência e
comecei a voltar pra casa.
O tempo de voltar para casa nunca é bem traçado. É uma volta que se refaz a cada saída. Eterno Retorno, o mito. Subimos e descemos indefinidas
e inúmeras vezes cabeça vazia? Obstruída. Cansada. Festejada de nada.
braços cansados. Sentido nenhum. O pelicano nos pica o coração ou puxa as
entranhas, não sentimos. O picar dói tantas e repetidas vezes que não é mais dor. Não sentimos, não sinto.
Continuado prazer de sangrar. Continuada
caminhada. Continuada vida-morta. E tanta vida! Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2020 – Torres
Heterodoxia
Hombre y mujer. El candaroso siglo XIX no sólo culminó en la idea de que el hombre que viavaba en ferrocarril era moralnente superior al hombre que andaba a baballo: culminó en la doctrina más inesperada de todos los tiempos, en la idea de la identidad de los sexos. Si no hubiera otras pruebas de la frivolidad de ese sieglo, bastaría esa sola para condenarlo.
[…] Por desgracia, los siglos no terminam al mismo tiempo para todos, y así Nietzche fue un hombre del siglo XX, así pululam en nuestro tiempo los habiantes del siglo XIX. El inocente hecho de mostrar diferencias entre los dos sexos los pone ferozmente en guardia y les hace mascullar, pues los hechos han evolucionado de manera que el progresismo consiste hoy en mantener ideas definitivamente envejecidas. […]
Bisexualidad. Estabelecer las diferencias entre hombre y mujer no implica ignorar la bisexualidad de los seres humanos, la atávica y por lo tanto profunda amalgama de atributos masclinos y femininos que coexistem e cada uno de nostro.”(p.9-10) Ernesto Sabato Heterodoxia
Ernesto Sabato nació en Rojas, província de Buenos Aires, en 1911, hizo su doctorado en física y cursos de filosofia en la Universid de La Plata, trabajó en radiaciones atómicas en el laboratorio Curie y abandonó definitivamente la ciencia en 1945 para dedicarse exclusivamente a la literatura.
Estas questões voltam sempre emaranhadas. E a lucidez se suicida no desejo de ser tu e eu outra vez. Beth Mattos – maio de 2020 – Torres

ÔNIX e minha filha Ana Maria neste maio de 2020 – Torres: É preciso olhar em frente.
despedida
silêncio é despedida
livros de bolso: idas para lá e para cá no Rio de Janeiro dentro dos ônibus, a ler. De Botafogo para Copacabana, do Humaitá para Ipanema ou para o Centro… ah! miettes, épaves, aquelas migalhas de tempo misturados com saudade e o cheiro de mar, maresia outra vez, liberdade, rua, e café na esquina. Elizabeth M.B. Mattos – 2020
intimidade
A cada intimidade rasgada uma surpresa. A exposição, por menor que seja, guarda sensação de surpresa: isola, abre solidão. Estranho isso: isolar em vez de aproximar isola. Quanto mais despida, quanto mais ela mesma, mais complicada, difícil, intocável a pessoa fica…Escrever tem a magia de ocultar/revelar/ dizer negar, tudo ao mesmo tempo. E também esvaziar…Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2020 – Torres

certeza amarrada

Certezas estão presas em tantas pequenas histórias! Poderia não importar arejar cada uma delas, mas sinto tua incerteza pesando em cima de pequenas banalidades estufadas, por isso eu te conto as histórias dela. Não são tuas, são emprestadas. E as histórias precisam ser ditas / contadas para clarear, e te soltar, soberana no teu reinado. Fazer justiça. Não pode ser apenas acaso nem tanta glória sobreviver e ser, finalmente, a velha senhora.
Estes dias pensei minha mãe. Desenhei cada passo. Estás a me dizer que estou misturada em tanta saudade! Talvez, não sei. É a visão desta casa, desta mãe, destes feitos da vida que ela atravessou com coragem, e das palavras, das conversas, daquele contar lento, constante, abusivo eu diria, hoje compreendo / sei o precioso de cada gesto / cada som. Que vocês possam tocá-la, como eu, é isso. Um presente. Penso nas injustiças sofridas: pesadas e ciumentas. E a vida terminou tão cedo! Estou a prolongar anos mais do que os dela, tempos pesados estes, rebeldes, inquietos e agressivos! Quando me proponho a pintar seu rosto, voltar gestos, entender/ escutar/compreender a voz, sinto o quanto sou impotente. Quero te libertar! (Impressionante o efeito da música, e desta voz que desce quando escrevo. Chamados precisam ser respondidos. E não se pode escorregar em mimos incertos: a vida tem gosto de intimidade, aconchego interno, a pessoa com ela mesma. Será que posso beber um whisky nesta hora da manhã?! É o inverno que me abraça. Afinal, porque não confessar, eu gosto, gosto dos dias invernosos que são mesmo quase o tempo todo amanhecer e entardecer.) Como vou te descrever a luz? A minha mãe era luz o dia inteiro, ela nos fez assim iluminadas para viver. Costurou vestidos, inventou amigos, as melhores escolas. O espaço aberto para as meninas. Crescemos como abóboras, tão depressa! E logo ela entregou a horta, o jardim, a floresta, a magia inteira para que fôssemos nós e não ela mais… Era tão jovem e logo foi avó, era tão jovem e a família ocupou todo o espaço. Não. Não é natural quando se tem muitos talentos, tanta inteligência, tanto charme e vigor. Um exercício difícil este de abrir espaço e entregar às filhas todo o espetáculo. E ficar no camarim. Chapéus, vestidos de noite, velas, e porcelanas foram presentes para enfeitar a nossas vidas. Ficou, na lembrança o café. O cigarro (ela fumava). Lareiras: o fogo nos nós de pinho. Os cães. A casa. E a biblioteca. O pai silencioso, ela vibrante. Ele foi amado docemente por todos os nossos amigos, ela parecia mais espinhenta, mais uma rosa difícil de colher. Atenta a se defender. Dou voltas e voltas. Não escrevo. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2020 – Torres
