o peculiar dos segredos

Há algo de muito peculiar nos segredos. Há certas coisas que, pelo próprio fato de serem tão simples, tão bem conhecidas, se tornam secretas. Seja como for, aqueles de nós que conhecem esses segredos carregam, de fato, uma pesada responsabilidade.

Se a pequena verdade vira / ou se transforma em som/palavra, o constrangimento. Existe qualquer coisa de secreto que se esconde na dobra do vestido. Na cortesia. Existe o secreto que salva. Depois de pensar e pensar. Abro o armário para a limpeza anual, a contagem da guerra. Devagar arrumo aqui, ali. Ainda não encontrei o livro do Alberto Maravia (faz semanas que procuro), e me aborreço com as perdas… Copos se foram, um pires. Dois pratos. Inventário amoroso. Do meu farol a música. Sou útil. Podes ver, fotografo.

E apesar de que nós conduzimos este povo ignorante, e que persiste em sua ignorância, passo a passo ao longo da estrada que leva à felicidade suprema, ele desanima, pois o caminho é íngreme. Logo dão ouvidos ao diabo que sussurra: ‘Olhe aqui, veja como este caminho é mais fácil’. E quando eles veem como é encantador o outro caminho, com flores em profusão de ambos os lados, atiram – se nele de cabeça e acabam mergulhando no abismo da ruina. Como os empreendimentos econômicos não são nada benevolentes, devemos previr que uns dez por cento se tornarão vítimas, enquanto os restantes noventa por cento serão salvos. Mas se não tomarmos nenhuma medida, será a totalidade dos cem por cento que irá alegremente para a destruição. Suponho, então, – replicou o Visconde de Matsudaira -, que os dez por cento que são os agricultores devem resignar – se a morrer de fome?“(p.165) Yukio Mishima Cavalo Selvagem / Mar de Fertilidade vol. 2

O segredo se movimenta inquieto quer saltar / se libertar: a conversa precisa existir/acontecer completa, sem rastejar nem reticências, mas nunca acontece por inteiro. Não se trata de confissão. Dou voltas, e voltas, a cada um seu próprio rumo. O inesperado. Não vais resolver. Há qualquer coisa de sério a ser dito, mas eu não falarei/não direi: meu pecado, não denunciar/ não expor, apenas escutar, covarde? Ou cautelosa. Vou escolher um sorvete, logo vai parar a chuva. Dezembro diferente. O livro de Yukio Mishima empurra a noite. […] “se mantivermos nossas reservas monetárias a um nível adequado, evitamos uma queda em nossa taxa de câmbio, e ganhamos a confiança das nações. Essa é a única maneira de o Japão se dar bem no mundo.” (p.161)

balanço

Acordei cedo hoje! Dormi cedo. Hora errada, pobre da Ônix!, esquecida na varanda-canteiro alarmou o prédio, e CÉUS! Como responder e agradecer e pedir desculpas? Revolução. Fechei janela e apaguei a luz, dormi outra vez. Dormir: passar o apagador num quadro de giz. O livro terminou. Estou naquele período intermediário, sem vontade de fazer limpeza / ordem, ou qualquer coisa prática. O tempo? Estranho! Um novembro frio. Sinto a garganta. Espero não me resfriar. E me enrolo nas mantas. Talvez chova, talvez fique apenas cinzento. Pessoas caminham nas calçadas, dia começa. Amanhece. Liguei o rádio. Arrumei as camas. Passei o café. Esquentei pão. Nada de regime. Quero emagrecer: ao longo do dia me concentro na dieta, mas amanheço com pão e manteiga. Automático. Vício. A geladeira, coitada! Cheia, lotada! Como se aqui vivesse uma família inteira. Não. Sou apenas eu: gulosa e compulsiva. As frutas pintam a casa, dão toques de vida e cor e ainda perfumam… Viver em sabor de chocolate, a doçura de ser amado / amada / acarinhada. Céus! Preciso organizar e fazer e ter e ser e começar e fazer/ e fazer e fazer… Alugo uma casa e alugo um jardim, planto roseiras e cravos e crisântemos. Pequena fantasia. Estica na janela: olhar perdido! Eu a vejo se movimentar, penso na Mabel e no Bento, por que não estou numa casa? Com árvores, jardim, cheiro de mato e vida nova… Vida nova. Será o mar o bruxo do tempo! Preciso arrancar memória, passado. Depois transformo em jardim sem inço, sem rosetas, apenas jardim… Outra vida. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2020 – Torres

sem estrela

Como era estranho ter uma impressão tão misteriosa, porém tão distinta, de já ter estado ali! Talvez isso se relacionasse a uma experiência real. Talvez quando criança seus pais o tivessem trazido àquele lugar. De qualquer modo, sentia que a forma daquela casa se preservara perfeitamente em seu coração, como um jardim pequenino mas cheio de detalhes, envolto em bruma.” (p.120) Yukio Mishima Cavalo Selvagem – Mar da Fertilidade vol.2

Talvez o único lugar definitivo de minha vida tenha sido perto/junto de meu pai e de minha mãe. Não sei bem riscar / determinar. Se quando criança, ou jovem – mãe ao me socorrerem de inquietudes. Se do tempo dos desenhos aleatórios de um Rio de Janeiro triste que eu vesti / pintei de alegria. Não existe lugar seguro. Todos podem ser tenebrosos e incertos. Infância seria o bom país, mas escutamos/sabemos das barbaridades / insanidades que ocorrem. Depois, depois sem pai e sem mãe; uma luta cega no tempo. No casamento certezas ambiciosas e corajosas, mas violadas. Há quem se volte para a luta engajada, e arraste ideal. Ao resultado pífio de uma decepção lavada. Com certeza no braço do amado seria a paz , um jeito certo / ou esquerdo de acertar a quietude. Depois vazio. A idade descreve outro mundo, outro rumo, outra força ” tudo isso era estranho ao seu modo de pensar” -, qual será meu modo de ser, quem eu sou? As palavras escorregam: pelo fio telefônico, por uma carta encabulada, um pensamento desarrumado. Uma incerteza. Queria tanto descansar a cabeça, esticar o corpo num lugar colorido. Encher de gostosura uma xícara de chá. Saudade de abraçar e ficar muitas horas, sem relógio, a dizer o impreciso. Caminhar por atalhos e chegar ao mar… Hora esquisita de contar o tempo: sou a loucura deste vazio. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2020 – Torres sem eco, sem chuva nem vento. Deve ter estrelas no céu, mas não vejo.

…, não sei! beijos embrulhados

Sentei para escrever sem foco, sem assunto. Dezembro chegou, o ano termina. Expectativa pessoal zero/oca, não sei. Vou sacudir o Natal. Bom! Esforçar – me. A vacina bate em várias portas: o vírus, talvez, deixe de assombrar. Serão chuvas, depois ventos. Seca e frio congelado. Estes fenômenos enrijecem o corpo. Descrevo o amor: descongela, esfria, desaparece na ventania. As certezas chegam lentas e famintas. Passo os últimos lençóis, as fronhas da semana, e aproveito o encerado do assoalho, a limpeza. Imagino organizar outro armário, revisar o conto de Natal, amontoar papéis. Olhar pela janela o castanheiro. Tirar fotos. Olhar revistas. Passar um café. Descobri que estou no tempo dos dinossauros: uso pó de café, coador, e aquele jeito já passado de passar café. (Claro! não deve ser apenas eu.) Sem máquina. Sem micro-ondas, sem panelas mágicas, faço tudo como era antes, e gosto. Corto meus cabelos com uma tesoura de picote (ficam engraçados), e este não cuidado, claro! Deve ser o novo cuidado. (Repito a mãe: cabelos jeitosos, fartos, arredondava os seus em casa). Adoro tesouras!  Prazer em abrir gavetas. Roupas, quinquilharias, o passado tão, milimetricamente, dobrado, ordenado. Prazer! Elizabeth Mattos – dezembro de 2020 -Torres

beijos embrulhados, o presente, no futuro vira carinho e amorosidade / Natal feliz?! esforço e alegria