sem saudade

Saudade não existe. Não quero nada nem ninguém de volta. Minto sobre saudade. Nunca sinto saudade. Experiências são / se escondem vivas todas juntas, ao meu lado, hoje, agora. Posso escolher: este brinquedo, aquele outro. Corda? Elétrico, pilhas, energia, de tração! E quando eu te penso, penso os dois andares da casa, com buganvílias penduradas, ouras coladas ao muro, floridas, estupidamente floridas. Eu penso o pedaço da vida que estou vivendo: Eu te penso como se tu e eu fosse nós, e eles todos este pensar fosse o EU mesma, a minha imaginação feito gente, reflexo. Uma química. Um facetado eu divino, perfeito. Vasos da sala com rosas amarelas e brancas, outras galhadas de flores. Quadros assinam teu nome, os livros dizem tua voz, e vejo teus atrevidos desenhos geométricos. Cadeiras colocadas estrategicamente. E quando eu entro o fogo da lareira se apressa agarrado nos nós de vinho. Sinto cheiro de bolo e cheiro de café. Oscilo entre ficar na copa, e te seguir: tua organização. Ah! Teu mundo impecável e festivo! Nunca escuto o desagradável reclamar, nenhum excesso, toda a ternura se multiplica porque cuidas. Tu cuidas. Este verbo é danado de detalhes porque toda atenção / cuidado respondem aos prazeres internos. Sinto sono. Um sono livre de pílulas porque me entrego a doçura de ser cuidada. Os lençóis estalando com dobras, perfumados. A limpeza me sacode de prazer, sequer sinto o corpo. Livros escovados, dois cadernos novos, folhas ofício, uma régua, lápis apontados, grafites diferentes. Um copo português com lápis coloridos: borracha, um estilete, uma aquarela de criança com dois pincéis pequenos, dois copos vazios. Abro a primeira gaveta da cômoda. Limpa, olho os detalhes. Da madeira o cheiro bom de pinho… A mala pequena segue encostada segurando a porta. As venezianas estão abertas. Gosto do azul…, e velhas e corajosas presilhas seguram as vidraças. Abro a porta-janela para a sacada pequena dos gerânios. O céu colorido de entardecer estupendo, tem amarelo azul rosa e branco deitados no horizonte: entardecer. Um copo de whisky, com gelo. O que mais posso desejar? De nada sentir saudade…, não. Esta minha gula de viver se apressa e alerta/chama meu corpo. Nenhum amor desmaiado velho do passado, ou lembrança embolorada me enternece. Agarro o momento precioso de ser eu, e sublinho os detalhes. Do quarto tão ao meu gosto! Usufruo. Abro o primeiro caderno, e a caneta tinteiro que trouxe comigo e escrevo: Estou estupidamente feliz. Nada pode ser mais cuidado, mais perfeito do que respirar a vida e o tempo, ser eu agora/hoje: 11 de setembro de 2021 – aniversário da Luiza, São Paulo -Elizabeth M.B. Mattos

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